Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Carta Capital


REDE GLOBO
Mauricio Dias


Cabral falou antes, 23/6


‘À margem da denúncia de que alguns ex-integrantes da cúpula do poder no Rio de Janeiro, notadamente o ex-governador Anthony Garotinho e o ex-chefe de polícia Álvaro Lins, estariam envolvidos com o crime organizado no estado, foi flagrado mais um delito contra o telespectador, praticado pelo jornalismo da TV Globo.


A segunda edição do jornal local, o RJ/TV, do dia 3 de junho, noticiou que Álvaro Lins, além das acusações de agora, sofreu denúncia da Polícia Federal por ‘crime eleitoral’. Durante a campanha de 2006, ele teria prometido a 2 mil concursados para a Polícia Civil de que seriam contratados. Álvaro prometia realizar a mágica que os políticos fazem, para cidadãos incautos, antes das eleições. Mas, pelas regras eleitorais, ele teria incorrido no crime de ‘compra de votos’.


‘Se vocês não entrarem para a Polícia Civil, eu rasgo a minha carteira’, disse o candidato, conforme um vídeo gravado pela Associação dos Excedentes do Concurso da Polícia Civil e usado como prova pela PF.


Anteriormente, o vídeo tinha sido usado na representação do deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) contra Lins, por quebra de decoro parlamentar. Ninguém deu bola e a denúncia foi engavetada.


O ‘crime’ da Globo foi suprimir trechos do vídeo que mostram outros candidatos na mesma cerimônia: Sérgio Cabral Filho, que foi eleito governador, Francisco Dornelles, eleito senador, e Marcelo Itagiba, eleito deputado federal.


Os candidatos, certamente, não pediram o favor à emissora, mas a Globo tem o vício de comprometer o jornalismo e, aos poderosos, prestar serviços não encomendados.


‘Esse é o meu compromisso, de convocar todos vocês. Vamos preencher todas as 2 mil vagas’, disse Cabral.


Eis aí a prova do milagre da multiplicação: 2 mil candidatos para 250 vagas.


Álvaro Lins falou em seguida. Ergueu a mão de Marcelo Itagiba, ex-delegado da Polícia Federal e ex-secretário de Segurança do governo Garotinho, e chamou a atenção dos concursados para o compromisso assumido por Cabral, ao qual se referiu, premonitoriamente, com governador.


‘Vocês ouviram o que o governador falou. É só querer. E ele já assumiu o compromisso. Eu nunca tive um governador pra assumir o compromisso junto conosco. Vocês viram aqui hoje. Nunca aconteceu. É a primeira vez.’


Se há crime no episódio, por que só Álvaro Lins teria transgredido a lei eleitoral? A Globo escondeu isso. Intencionalmente. Mais uma vez.’


 


FÓRUM
Milene Pacheco


A explosão da mídia alternativa, 20/6


‘CartaCapital acompanhou o I Fórum de Mídia Livre, no último fim de semana, e entrevistou Ivana Bentes, integrante do comitê organizador e coordenadora da Escola de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde aconteceu o evento. No fórum, que reuniu cerca de 300 pessoas, foram discutidas medidas para a democratização da comunicação e o fortalecimento dos veículos alternativos. As metas aprovadas neste primeiro encontro ainda engatinham, mas criam uma base para a realização de futuras discussões. Ivana Bentes, colunista do site de CartaCapital, fala sobre a situação da mídia no Brasil e avalia os resultados do Fórum.


CC: Qual era a situação da mídia há 14 anos, quando CartaCapital foi lançada?


IB: Nessa época, não havia a menor chance de se construir um outro discurso, como aconteceu no segundo mandato de Lula. Na eleição de Fernando Henrique, não havia a internet, o Youtube e os sistemas de busca não hierarquizados, como o Google. Era um quadro bastante desolador. A pauta era negativa e reativa.


CC: E hoje?


IB: Hoje os movimentos de mídia têm pautas positivas, propositivas, para além dessa pauta clássica histórica em relação aos monopólios de comunicação, a essa centralidade dos meios. Hoje discutimos democracia participativa, ligada à emergência da possibilidade de se ter uma democracia online, o voto online e uma descentralização. Estamos num momento de transição de modelo. O modelo do monopólio e de centralização estão em crise.


CC: Que tipo de crise?


IB: Uma crise de várias estruturas tradicionais de centralização das mídias e dos monopólios. A pauta e o contexto mudaram. De 94 para cá, temos mudanças no funcionamento do capitalismo, como a financeirização e os fluxos de capitais. O capitalismo está globalizado e em rede, mas os movimentos sociais também, as lutas hoje são globais e potencializadas pelas redes colaborativas, uma mudança que empondera os movimentos sociais, muda as formas de se fazer política, muda os discursos e traz um novo uso para as novas tecnologias.


CC: Quais as razões para a crise dos monopólios?


IB: A queda da venda dos jornais e revistas é um sintoma de crise das mídias clássicas. Sem dúvida, a internet divide espaço com a mídia impressa, que é cara e fordista. Ao mesmo tempo, as próprias mídias corporativas incorporaram as novas mídias, como os blogs e o eu-repórter. A própria audiência da televisão foi pulverizada. Hoje é a metade da de 94. A TV perdeu audiência em seus principais programas, como as novelas e os telejornais. Isso é uma constatação de que essa multiplicidade de veículos de comunicação deslocaram o poder de fogo, inclusive da mídia de massa. Esse deslocamento começa a se fazer sentir. O horizonte de autonomia, liberdade, barateamento das novas mídias produz essa crise.


CC: O que significa esse deslocamento?


IB: O telespectador vai encontrar na internet o seu veículo de produção de mídia, onde ele não é só consumidor. Passa a ser o que chamamos de ‘prossumidor’, ou seja, o consumidor que produz informação. A possibilidade da sociedade se apropriar dos meios de comunicação é uma mudança enorme. O conceito de público e a idéia de comum não existiam no Brasil. Existia a idéia de TV Pública confundida com estatal. Começamos, de maneira sistemática e reiterada, a discutir o que é público. O acesso à rede se tornou condição de cidadania. As pessoas começam a reivindicar um canal de televisão, pois o mais importante para eles não é mais aparecer na tela, mas ter um canal, uma rádio ou um provedor na internet grátis. Isso me parece uma mudança muito importante.


CC: Por quê?


IB: O monopólio das telecomunicações passa a ser pensado numa vertente radical. Produzir mídia passa a ser visto como uma questão de política pública. Essa mentalidade não existia no Brasil. As pessoas discutiam qual era a tarifa de telefone mais barata. Hoje a discussão está em outro patamar. A questão hoje é: ‘não vai ter telefonia pública nesse país?’. Se as pessoas tiverem acesso à tecnologias, se tornam mais autônomas, livres e produtivas, inclusive para o mercado.


CC: A mídia dita ‘alternativa’ amadureceu de lá para cá?


IB: Ela explodiu. Houve uma mudança muito grande. Saiu desse discurso alternativo e independente. Quando falamos em ‘livre’, falamos da liberdade de expressão e da autonomia de sustentabilidade. Sabemos que a liberdade é um horizonte, mas ela amadureceu ao incorporar parcerias com o mercado e com o público. A mídia livre vai depender, sim, de investimento do Estado, organização social e empreendimento privado. O sistema é híbrido, por isso não podemos demonizar o mercado ou uma emissora. Trata-se de discutir princípios novos, que não a do dualismo e das velhas oposições.


CC: O que achou do Fórum?


IB: Foi muito bom. Para um primeiro encontro, superou as expectativas. O mais interessante foi a heterogeneidade dos participantes. Essa diversidade aumenta as chances de se produzir algo novo. Eu ficaria apreensiva se existisse no Fórum um tipo de discurso dominante. Apesar das divergências, convergimos na idéia da necessidade de se criar conceitos novos, com tecnologia nova. A garotada deu um banho no sentido de aporte de experiência, colaboração, descentralização, horizontalidade e autonomia para além da mera reivindicação do Estado provedor e da demonização do mercado. É muito interessante ver a garotada da música conversando com o militante da década de 60 que enfrentou lutas históricas.


CC: Quais foram os resultados práticos do Fórum?


IB: Entre as metas estão fóruns regionais, um Fórum de Mídia Livre dentro do pré-Fórum Social Mundial, em 2009, e um II Fórum Nacional de Mídia Livre. No documento, que possui questões objetivas e de princípio, há uma proposta de estrutura de funcionamento horizontal e descentralizada com representantes estaduais.’


 


VIDEOGAME
Felipe Marra Mendonça


Pilotos de sofá participam da Fórmula 1


‘‘A sua imaginação controla um jogo chamado realidade.’ O slogan certamente precisa ser refinado, mas não deixa de explicar, grosso modo, o que a alemã iOpener Media pretende fazer. Fundada em 2007 com apoio da Agência Espacial Européia (ESA), a companhia quer aumentar a dose de realismo dos videogames e colocar jogadores no meio de uma corrida verdadeira de Fórmula 1. Ou seja, simular no jogo as condições de um grande prêmio e pôr o desafio no ar em tempo real.


Isso permitiria, por exemplo, que o jogador disputasse posições com Felipe Massa e Lewis Hamilton no Grande Prêmio da França, no domingo 22. A idéia é rastrear o movimento de cada carro na pista por meio de GPS e os dados serão transmitidos para consoles de videogames e PCs ao vivo. O primeiro teste aconteceu em meados de maio no circuito de Zolder, na Bélgica.


Um Arrows de 2002 foi usado para testar a captação dos sinais, assim como dois carros de competição dirigidos por pilotos profissionais. Os técnicos da empresa garantem ter obtido sucesso. A empresa usa outros dispositivos para corrigir o sinal do GPS. Um deles é a informação gerada pelo Egnos, rede européia que aumenta a precisão do sinal para 2 metros. Outro é um dispositivo instalado no próprio carro, nos testes na Bélgica, que mede a aceleração, o ângulo, a guinada do veículo e é normalmente utilizado em mísseis teleguiados. Dessa forma, a empresa consegue corrigir 30 centímetros, fundamentais para uma simulação bem-feita. ‘Agora é possível competir contra os melhores’, diz Andy Lurling, fundador da empresa, em entrevista à BBC.


A disputa acirrada entre profissionais na pista e fanáticos de sofá deve causar várias batidas e o sistema está preparado para tais acidentes. Se o jogador bater no carro de um piloto na corrida real, os parâmetros da inteligência artificial do jogo vão mostrar a cena simulada e, depois de alguns segundos, os dados do corredor na pista serão atualizados para permitir que a competição recomece. O jogador poderá continuar na disputa somente se os danos do carro forem pequenos.


Outro ponto importante são as ultrapassagens. O sistema corrige os dados enviados para que o jogador não seja atropelado por um piloto na corrida. ‘Se Hamilton estiver atrás, ele, certamente, não poderá ver o jogador virtual e abalroá-lo’, afirma Lurling. O sistema criará instantaneamente uma ultrapassagem.


A empresa não pretende criar jogos, mas quer licenciar a tecnologia para uso de outros desenvolvedores. O primeiro título estará pronto em setembro e deve colocar muitos pilotos de sofá à prova, principalmente aqueles que assistem a corridas e garantem que poderiam fazer muito melhor. É chegada a hora de toda essa gente mostrar seu valor.’


 


TELES
Redação CartaCapital


A BrOi vai beneficiar quem?, 20/6


‘O jornalista Paulo Henrique Amorim protocolou, na quinta-feira 12, na Procuradoria-Geral da República do Estado de São Paulo, sob o número 4621/2008, uma representação, com cópia para o procurador-geral da República, Antonio Fernando Barros e Silva de Souza. Na peça, Paulo Henrique justifica a representação por suspeitar de malversação de fundos públicos e prevaricação no processo de compra da Brasil Telecom pela Oi/Telemar, o caso BrOi.


A iniciativa é contra o Ministério da Fazenda, os diretores da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, os diretores do Banco Central e da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), para que se promova ‘a cessação da conduta, a aplicação das multas cabíveis e a abertura de ação civil pública’. A representação foi protocolada no mesmo dia em que a Anatel aprovou mudanças no Plano Geral de Outorgas, para viabilizar o negócio, que beneficia os empresários Carlos Jereissati, Sérgio Andrade e Daniel Dantas. A seguir, os principais trechos da entrevista de Paulo Henrique à CartaCapital.


CartaCapital: Qual foi a sua motivação para protocolar essa representação?


Paulo Henrique Amorim: A denúncia encaminhada foi autuada como peça informativa e distribuída ao doutor José Roberto Oliveira, na Divisão de Tutela Coletiva da Procuradoria da República de São Paulo. Antes, eu fiz uma meia dúzia de tentativas de contratar um advogado, que me patrocinasse numa causa em que eu movesse uma ação popular contra a diretoria do BNDES, da CVM, da Anatel. E não consegui. Nenhum advogado quis colaborar comigo nessa ação popular. Eu queria entrar também com uma ação de oferta hostil para comprar a Brasil Telecom por 1 real a mais do que Carlos Jereissati e Sérgio Andrade colocassem do próprio bolso. Eu queria ser o dono da Brasil Telecom, já que o BNDES vai pôr dinheiro no negócio. A minha empresa, PHA, é mais saudável do que a Oi/Telemar. Porque eu administro minha empresa com recursos próprios.


CC: A Anatel aprovou a fusão e a alegação oficial é a de que o Brasil precisa de empresas nacionais fortes para serem competitivas em termos globais.


PHA: Para ser competitivo onde? Na Namíbia? Eles pretendem entrar com a BrOi no mercado de Nova York? Em Düsseldorf? Em Milão?


CC: O que teve de irregularidade nesse processo?


PHA: O BNDES vai usar dinheiro público para financiar dois empresários que não desembolsaram nada nem para comprar a Telemar.


CC: Que riscos o negócio pode acarretar para o País?


PHA: O grande risco é eles colocarem a mão no dinheiro, as ações da BrOi se valorizam, eles vendem a empresa. E vão tomar champanhe rosé brut e participarão da noite de autógrafos do livro que Luciano Coutinho (presidente do BNDES) vai lançar sobre a batalha da burguesia nacional contra o imperialismo ianque. É bom lembrar que o Coutinho deu um parecer decisivo na fusão da Brahma com a Antarctica, para criar uma supercervejaria nacional, que hoje tem sede na Bélgica.


CC: Qual deveria ter sido o papel da CVM no caso?


PHA: Dois. Primeiro, investigar a manipulação das ações com a Brasil Telecom e com a Telemar/Oi cada vez que os interessados nessa negociata plantavam notícias nos jornais e lucravam com a oscilação dos papéis na Bolsa de Valores, como observou a publicação Teletime (www.teletime.com. br). A Folha de S.Paulo, por exemplo, deu uma manchete de fora a fora, da extensão de Corumbá a Vitória, que o negócio estava fechado. Todo mundo sabia. Só quem não sabia era a CVM?


CC: Como cidadão, o que o senhor espera dessa representação que protocolou?


PHA: Espero a cessação da operação de compra da Brasil Telecom pela Telemar/Oi, a aplicação de multas e uma ação civil para apurar as responsabilidades dos administradores públicos nessa prevaricação.’


 


TV BRASIL
Redação CartaCapital


Ser pública ou não ser?, 20/6


‘Agir de acordo com os trâmites do serviço público ou buscar a agilidade adequada a uma emissora de televisão? Esse parece ser o cabo-de-guerra por trás da saída de dois homens fortes da TV Brasil, a rede pública capitaneada pelo governo federal. Na terça-feira 17, Orlando Senna, diretor-geral da tevê, entregou a carta de demissão ao presidente Lula. Sua atitude foi motivada pelos embates entre o diretor de relacionamento da rede, Mário Borgneth (também afastado), e a presidente, Tereza Cruvinel.


Senna, em entrevista por e-mail, procura amainar a disputa, mas deixa surgir, nas entrelinhas, a razão dos desentendimentos. ‘Há um nível de engessamento burocrático e jurídico inadequado a uma empresa cuja dinâmica operacional é fundamental para o sucesso’, afirmou.


Cruvinel, por sua vez, diz que certos cuidados são inerentes a uma empresa pública. ‘Quando se trata de dinheiro público, há ordenamentos legais que precisam ser cumpridos. Por isso, é difícil fazer tevê no setor público. Se fosse fácil, alguém já teria feito.’ Por ora, ela vai acumular a presidência com a diretoria até aqui ocupada por Senna.


Cruvinel, jornalista egressa das Organizações Globo, chegou à TV Brasil pelas mãos do ministro Franklin Martins, da Secretaria de Comunicação Social (Secom). Senna e Borgneth eram egressos do Ministério da Cultura (MinC), idealizador do projeto da emissora pública federal. A falta de alinhamento entre a ‘turma do jornalismo’ e a ‘turma da produção’ havia sido antecipada por CartaCapital na reportagem Do Estado ou do Governo? . A resposta a tal pergunta, como se vê, não é nada simples.’


 


ECAD
Pedro Alexandre Sanches


De quem é a música?, 20/6


‘Um belo dia, um músico com cara de Dom Quixote decidiu se insurgir contra sua própria família, a dos compositores brasileiros reunidos sob o guarda-chuva do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, o Ecad. Com outros sete autores especializados em trilhas sonoras para televisão, Tim Rescala abriu um processo contra a instituição, que centraliza o recolhimento de direitos autorais, da qual ele é um dos 260 mil associados.


A família contra-atacou. A assembléia que compõe o Ecad, integrada em tese por compositores (mas na prática também por representantes de gravadoras e editoras de música), indignou-se com um artigo publicado no jornal O Globo, no qual Rescala classificava a instituição-mãe como ‘caixa-preta’. Deliberou-se que o Ecad moveria uma ação por difamação contra o filhote rebelado.


Havia ainda outro personagem, oculto e de atuação controversa na trama. ‘O que motiva Tim Rescala é uma coisa chamada Rede Globo’, afirma um membro ativo da assembléia do Ecad, o editor José Antonio Perdomo. ‘Por trás dele, está o interesse da Globo de asfixiar o Ecad.’ De fato, outra disputa, bem mais feroz, se desenrola na Justiça, entre a maior rede de tevê do País e a instituição mais poderosa da atual música brasileira (em 2007, o Ecad declarou ter arrecadado 302 milhões de reais, mais que todas as grandes gravadoras reunidas). Para ter autorização de usar suas músicas, a Globo (bem como as demais emissoras, quase todas ‘rebeldes’ ao Ecad) tem de pagar uma taxa mensal ao escritório.


O Ecad reivindica na Justiça 2,5% de todo o faturamento da Globo (o que equivaleria, hoje, a cerca de 16 milhões de reais mensais, 192 milhões por ano) em pagamento pelas músicas executadas na programação. A rede contesta esse valor e deposita, em juízo, 4,1 milhões de reais mensais.


A Globo nega qualquer vínculo entre a disputa maior e a menor, movida pelos compositores Rescala, Sérgio Saraceni, Mu Carvalho, Guilherme Dias Gomes, Armando Sousa, Márcio Pereira, Ricardo Ottoboni e Rodolpho Rebuzzi. ‘A TV Globo não tem nada a ver com a ação dos produtores musicais. Este é um assunto entre eles e o Ecad’, manifesta-se a Central Globo de Comunicação (CGC).


Rescala, além de ter usado O Globo como veículo de protesto, trabalha para a tevê do grupo desde 1989. Prestador de serviços terceirizado à Globo, é autor de temas incidentais usados em programas como Zorra Total, A Escolinha do Professor Raimundo e Hoje É Dia de Maria. ‘Não agimos motivados pela Globo, apenas temos um inimigo em comum’, ele afirma. E diz que o levante sobre o Ecad é resultado de uma tomada de consciência: ‘A nossa ignorância como classe é responsável por isso. Eu era relapso. A maioria dos músicos é assim, e vão sendo engambelados. Não sabem nem o que é o Ecad. Fui assim, não sou mais’.


Complexas são as circunstâncias que fazem um grupo de músicos encarar como ‘inimiga’ a entidade que existe supostamente para protegê-los. Na ação, eles reivindicam do Ecad um ressarcimento de cerca de 140 milhões de reais. ‘Como oito titulares de direitos autorais querem receber 140 milhões de atrasados, se a Globo não pagou isso para a gente?’, indaga a superintendente do Ecad, Glória Braga. ‘Arrecadamos ano passado 302 milhões de reais, para quase 100 mil autores, e eles querem 140 milhões para oito, o que é isso? Se perderem, vão pedir 140 milhões à Globo? Não vão.’ Rescala tem argumentos para legitimar as queixas de seu grupo. De 2001 para cá, os autores de músicas incidentais, ou de background, para produtos audiovisuais viram o Ecad reduzir seus rendimentos sucessivamente para um terço, um sexto e 1/12 do valor original. ‘Para eles, a música preexistente vale 12 vezes mais que a música feita especificamente para uma novela, por exemplo. Deveria ser o contrário’, queixa-se Rescala.


Glória Braga retruca de modo indireto: ‘Pergunte para os autores das músicas de abertura de novela o que acham disso’. Não diz mais, mas dá a entender que a ‘redistribuição’ é demanda dos próprios autores, os colegas mais famosos (e poderosos) dos fazedores de trilhas. ‘Quando o processamos, muitos titulares nos mandaram cartas dizendo ‘é isso mesmo’.’


Entre os temas de abertura de novelas recentes contam-se composições (quase sempre antigas) de Dorival Caymmi, Tom Jobim, Milton Nascimento, Caetano Veloso, Luiz Gonzaga Jr., Fábio Jr. e Leonardo. ‘Não se quis levar a coisa para o lado da luta de classes’, afirma Glória.


Mas que a luta existe, existe. É o que afirma Roberto Ferigato, um músico de Jundiaí, autor de trilhas de esporte radical e fornecedor de fundos musicais para o SBT e a Record. Com outros 24 autores, ele move ação semelhante contra o Ecad, a partir de São Paulo, e descreve uma situação hipotética: ‘Eles acham que a gente estava ganhando mais que os compositores em evidência. Não querem que conste no boletim do Ecad que ‘a música mais tocada do ano é de Roberto Ferigato’. Quem é Roberto Ferigato? Uma parte da classe autoral que está pendurada mamando na teta não quer isso’.


Ele justifica o processo contra o Ecad: ‘Não aceitamos a redução de valores, feita sem nossa autorização. Foi desleal. Não publicam as pautas das assembléias. Não tem como a gente participar, não é um processo democrático. Processaram o Tim para intimidar a gente’. A assembléia do Ecad, hoje, é integrada por dez sociedades arrecadadoras de direitos autorais, das quais só seis têm poder de voto. O peso de cada voto é proporcional ao montante recolhido por sociedade. Atualmente, as decisões no Ecad são lideradas pela União Brasileira de Compositores (UBC) e pela Associação Brasileira de Música e Artes (Abramus), com cerca de 38% do recolhimento total para cada uma.


À UBC estão filiadas editoras poderosas e autores como Gilberto Gil, Chico Buarque, Erasmo Carlos, Milton Nascimento, Rita Lee, Djavan, Leonardo, Marisa Monte, Racionais MC’s e Ana Carolina. A Abramus é tida como a sociedade das gravadoras, e abriga nomes como Caetano Veloso, Tom Zé, Zé Ramalho, Fábio Jr., Marina Lima, Titãs, Nando Reis, Chitãozinho & Xororó, Seu Jorge e Pitty. E Tim Rescala.


Segundo o compositor, a redução dos valores devidos a autores de trilhas começou quando vários deles ingressaram na Abramus. Sua entrada, diz, colocaria essa sociedade na liderança da assembléia, o que teria provocado a reação da UBC e a mudança das regras. Para ele, José Antonio Perdomo é ‘o Eurico Miranda do Ecad’. Ex-presidente da editora multinacional EMI Publishing, Perdomo tem sido reeleito sucessivamente na UBC desde 1989.


‘Nosso plano era ficar quatro anos e cair fora, mas as coisas não são assim. Eu sempre fui eleito pelos compositores, com mais de 80% dos votos’, defende-se. ‘A gente troca a diretoria para não dizerem que é sempre a mesma.’


Mesmo sob um verniz de maior civilidade e modernidade, o Ecad faz lembrar, sob esses aspectos, a cartorial Ordem dos Músicos do Brasil (OMB), controlada por Wilson Sandoli desde 1964, e onde membros rebelados costumam ser ameaçados de processos ou expulsão. Rescala acusa o escritório de inicialmente ter se utilizado da controversa Lei de Imprensa para processá-lo, o que o departamento jurídico do Ecad nega.


Glória Braga sustenta que o processo não se deve à represália. ‘A assembléia entendeu que o artigo dele era difamatório, calunioso. Decidimos procurar remédio no Judiciário. Isso é a democracia’, diz. É ela, de resto elegante e gentil, quem profere uma frase como a seguinte: ‘Ato de ditadura seria contratar alguém para dar uma surra no Tim Rescala’.


Nas sombras da trama, permanece a Rede Globo, contrária aos 2,5% exigidos pelo Ecad. ‘Tem de pagar 2,5%, sim’, retruca Perdomo. ‘O preço de seus anúncios quem estipula é ela. Eu dou o preço, se não quiser pagar, então não usa as músicas. A Globo alega que o Ecad está querendo ser sócio dela. Mas, se tirar a música, acabou a Rede Globo.’


Nas sombras vive também a elite dos autores brasileiros, de quem raramente se ouvem queixas contra o Ecad. Perdomo dá a entender de que lado eles estão: ‘Como o artista pode ir contra uma TV Globo? Eles podem nos dar força, mas no nível da diretoria, não em público. Se um artista médio defender o Ecad, acabou’.


É desse contexto que emerge, das entranhas da Rede Globo, um quixote como Tim Rescala.’


 


BEIJO GAY
Nirlando Beirão


Antes daquele beijo, 20/6


‘O Mago, biografia de Paulo Coelho por Fernando Morais, tem 630 páginas de brilhante e paciente jornalismo e, no entanto, tudo o que se discute agora a respeito do personagem é se ele consumou, ou não, suas ocasionais fantasias a respeito daquilo que o noveleiro Aguinaldo Silva chama de ‘amor entre iguais’.


Aguinaldo Silva aparece aqui porque sabe como ninguém que o tema dá ibope. Tanto que esticou até o último plimplim a tormentosa dúvida, a pergunta que não queria calar: será que Bernardinho (Thiago Mendonça) e Carlão (Gui Palhares) vão selar com um beijo sua feliz união? Pois é, Duas Caras terminou e o tal beijo gay não rolou. Assim como, o tão prometido splish-splash entre Júnior (Bruno Gagliasso) e Zeca (Erom Cordeiro), no borbulhar de testosterona country de América, também dera chabu. Tanto numa novela quanto na outra – as duas situadas no mais nobre dos horários – a torcida pró-ósculo teve exacerbação de Copa do Mundo. E mesmo de dentro da tribo GLBT ouviu-se a voz dissidente de quem argumentava: um beijo, em que isso pode ajudar a causa?


Argumento tão cretino quanto aquele dos que querem censurar a vida alheia em nome da moral e dos bons costumes. Servir à causa? Não me consta que novelas estejam aí para servir a causa alguma. Que há preconceito, há. Tanto que, quando se trata de meninas, tudo bem – ou quase. A bicota delas, como aquelas, meio furtivas, trocadas pelos personagens de Milla Christie e de Bárbara Borges, em Senhora do Destino, e de Alinne Moraes e Paula Picarelli, em Mulheres Apaixonadas, são fotogênicas. Quando são criaturas peludas, musculosas, a coisa fica feia.


Glória Perez, em América, e agora Aguinaldo Silva, em Duas Caras, disseram-se ‘arrasados’ com o desfecho frustrante. ‘Eu escrevi, os atores gravaram, mas nem tudo depende de nós’ – defendeu-se, à época (2005), Glória Perez. ‘O jeito é enxugar as lágrimas e partir para outra’, diz Aguinaldo Silva. Ele jura que escreveu a cena do beijo. O assunto-tabu tem forte densidade dramática. Não é improvável que, testados em outros carnavais pela rigidez do cânone moral da TV Globo, roteiristas façam uso do impasse para desenvolver uma novela fora da novela. Enredo paralelo – trama tecida com sagacidade de forma a que os autores, apóstolos do livre-pensamento, vítimas da cruel censura, virem heróis de si mesmos; e a Globo, a vilã. Verdade ou farsa, a narrativa é sempre mais palpitante do que muita novela que a gente vê por aí.’


 


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Folha de S. Paulo – 1


Folha de S. Paulo – 2


O Estado de S. Paulo – 1


O Estado de S. Paulo – 2


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