Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Castidade e assiduidade, extremos que se tocam

Temos observado nos meios de comunicação, assim como em alguns programas televisivos, diversos tipos de discussões que se intensificam no período do carnaval sobre a prática do sexo. Essas discussões envolvem questões éticas, morais e salutares, entre outras. A pregação da castidade como meio para se alcançar o bem-estar psíquico e a graça divina se tornou a tônica colocada sobre o sexo pelos programas religiosos exibidos em algumas emissoras.

Em tempos de aparente liberdade sexual, a valorização da castidade impingida pelos comunicadores religiosos parece nadar contra a maré. Provavelmente, ela não é inócua, pois pode oferecer alguma resistência à sedução a que os indivíduos estão constantemente expostos no mundo contemporâneo; haja oração para resistir às tentações. A pergunta que faço é resistir efetivamente a quê. Ao prazer? À degradação moral? Às tentações demoníacas? Se não quisermos recair nos erros cometidos no passado, precisamos pensar historicamente para vermos o que as atitudes repressivas tomadas frente ao sexo acrescentaram aos indivíduos. Sem dúvida, no mínimo algumas neuroses. No fundo, as duas posições – abstinência e assiduidade – assumidas perante o sexo são opostas apenas aparentemente.

Uma variação do esporte

Quando nos aprofundamos nessas questões, podemos perceber que o sexo ainda continua sendo um fardo carregado pela sociedade. A necessidade de falar continuamente sobre ele e mostrá-lo de maneira obsessiva nos dá indícios de que existe a presença de vários elementos não resolvidos em relação à sexualidade. Falar muito sobre algo, às vezes, é uma forma camuflada de silenciar. Fala-se muito para dizer nada. No mundo esclarecido, em que a ciência, mediante microscópios super-potentes pode observar os mínimos detalhes de um dos efeitos do sexo, que é a reprodução, a questão do prazer ainda continua sendo um mistério.

Por meio da constante presença do sexo no cotidiano dos indivíduos, o desconhecido passa por conhecido, tentando retirar a aura de mistério que envolve o principal responsável pela formação da vida no nosso planeta. Tanto a banalização quanto a renúncia são atitudes hostis frente ao sexo. O argumento dos religiosos defensores da castidade é de que o sexo não é mau desde que realizado dentro do matrimônio. No entanto, esse é um discurso que vincula o sexo fundamentalmente à reprodução, menosprezando o prazer que, sem dúvida, também deveria acompanhá-la. Prazer esse não menos contido numa sociedade que, segundo o filósofo alemão Theodor W. Adorno, tornou o sexo uma variação do esporte. O sexo passou a ser de domínio técnico de forma similar às diversas modalidades esportivas.

A realização do prazer

Alguns elementos nos mostram a mecanização do sexo no mundo contemporâneo, tais como: a prevalência dos rituais higiênicos em relação aos contatos efetivamente íntimos, como o constante apelo ao uso de preservativos para se evitar doenças sexualmente transmissíveis; o mero desempenho de uma função, isto é, boas performances que envolvam resistência durante o ato; conhecimento e execução das mais variadas posições sexuais.

A intimidade tem sido forjada e o sexo seguido de determinados roteiros independentes da própria experiência dos parceiros, perdendo-se assim o contato com a dimensão da espontaneidade e do imprevisto que enriquecem, ou deveriam enriquecer, o relacionamento sexual. Não é apenas na castidade que o prazer se encontra sufocado. Distintamente, a constante prática sexual estimulada na atualidade, carente de autonomia individual, também não tem contribuído para uma efetiva realização desse prazer.

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Psicólogo e doutorando em Psicologia Social pela PUC-SP, Tietê, SP