Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Censura tem sempre um outro nome

No final dos anos 1930, resolveram que o nome dela seria Estado Novo. Alcunha bonita, vistosa até. Pena que tenha sido um período repressivo, tão velho e atrasado, politicamente falando. A polícia política fartou-se e encheu as celas de ideólogos oposicionistas, aqueles que pensavam diferente do governo. O jornal O Estado de S. Paulo sofreu uma intervenção vergonhosa para a história do Brasil. Saíram os Mesquitas do comando. Entrou o Estado. O Novo. O ditatorial.

Na década de 1960, inventaram que ela fosse nomeada ‘Revolução’. Mais uma vez, a nomenclatura assomou mirabolante e com certo ar garrido, ostentoso. É revoltante saber que, à época, morreu gente. Muitos, sumidos até hoje, nem puderam ser velados. E, pasmem, há arquivos daquele tempo sendo mantidos em sigilo. Só para não falar nos que foram destruídos propositadamente. O que querem esconder? A receita de como se faz uma boa (e indigesta) Revolução?

Agora, criou-se uma tal classificação indicativa. Funciona assim: o conteúdo dos programas de TV vai ser analisado antes de ir ao ar. Assim, o censor poderá decidir previamente em que classificação etária a atração se encaixa. Ao arbitrar acerca disso, o censor classificará o programa para este ser exibido apenas em horário correspondente. Como a programação das TVs, pelo menos as comerciais, não tem flexibilidade elástica, os conteúdos de muitos programas terão de ser modificados para continuar a ser veiculados nos horários atuais.

Decisão cabe ao cidadão

A proposta da classificação indicativa, verdade seja levada em conta, não é, a princípio, tresloucada. É acertada, digna. Os programas comerciais estão cada vez mais apelativos, esvaziados de bons costumes, tudo para que alavanquem até às alturas os índices de ibope. Com a vitória na guerra da audiência, o programa tem verba publicitária mais rechonchuda, o que vai gerar maior busca por lucro, significando maior conteúdo apelativo, com mais verba publicitária e, claro, mais busca por dinheiro… E assim, viciosamente, segue o círculo comercial da televisão. Há que se ter censores, sim, e a tal classificação indicativa. Só que ela tem de ser indicativa apenas, não restritiva, não capaz de censurar. E o censor mais indicado é o dono do controle remoto: o telespectador.

O telespectador busca a baixaria porque é educado a ingerir um conteúdo televisivo de baixa qualidade. Isso é cultural. Já nos idos da Revolução, TV era entretenimento. E é até hoje. O perigo de uma classificação indicativa que desaprove e modifique a grade de programação ou conteúdo de programa é deixar para o governo uma decisão que deve caber a cada cidadão, que é a de escolher o que assistir. A própria sociedade, reunida em ONGs, institutos de análise de mídia, em segmentos organizados, deve criticar e até produzir conteúdos de qualidade.

Uma prática asquerosa

Com o governo determinando o conteúdo, é lógico que a decisão pode desbancar para a farra política. Mudarão governos, mudarão as classificações indicativas. E não venham falar que podem ser criados manuais contendo claramente as leis da indicação. Os governos, todos sabem, adoram mudar as leis.

O governo atual, se quiser ajudar mesmo a TV brasileira a ter uma ótima qualidade de conteúdo, deve investir para que a sua TV pública nasça comprometida com a educação, e não com a propaganda governamental. Além disso, deve provar que é possível fazer sucesso com programas de qualidade inquestionável. Caso continuem querendo indicar e restringir, o fato real é que só criaram outro nome disfarçado e gracioso para a prática asquerosa de censurar.

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Produtor de TV e estudante de Jornalismo