Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Chávez, Obama e as veias abertas

A CNN afirmou ser anacrônica a obra As Veias Abertas da América Latina, do renomado escritor uruguaio Eduardo Galeano, publicada em 1971, a qual o presidente da Venezuela Hugo Chávez presenteou a seu colega Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, na 5ª Cúpula das Américas, realizada em Trinidad Tobago. Por que anacrônica?

Em As Veias Abertas da América Latina, o escritor Eduardo Galeano apresenta uma análise histórica sobre a América Latina, tomando como base o período de ocupação pelos europeus até a contemporaneidade, tendo como fundamentação a espoliação econômica e a dominação política, primeiro pela Europa e depois pelos Estados Unidos. Apesar de haver sido escrita há mais de 30 anos, a obra não tem nada de anacrônica. Apenas revela uma realidade incontestável – a realidade histórica que só não vê quem não quer.

Galeano pode haver exagerado na maneira como constrói a narrativa, dando-lhe um tom espetacular, mas isso não tira as verdades contidas no livro e não invalida o fato de que as nações latino-americanas têm sido, desde os primórdios da invasão colonial, especialistas em prover aos europeus, inicialmente – e aos estadunidenses em uma fase posterior – as condições para o desenvolvimento de suas economias fortes e o conseqüente fortalecimento político destas regiões.

Anacronismo, no entanto, seria a negação das questões que são apontadas na referida obra e, mais do que isso, a negação da importância desta para que o mundo conheça certos aspectos da realidade latino-americana que não são contados pela historiografia oficialista e eurocêntrica que, infelizmente, ainda domina nossos espaços acadêmicos.

Discursos são estratégias

É verdade que hoje a América Latina não é mais uma vítima indefesa do poderio econômico e militar das potências européias do colonialismo desencadeado no século 16, ou das estratégias estadunidenses que colaboraram para a implantação de regimes autoritários altamente prejudiciais às sociedades latino-americanas e favoráveis aos interesses dos supostos ‘guardiães da democracia’. Sua condição de submissão à União Européia e aos Estados Unidos se deve, hoje, mais à falta de consciência política e à ganância dos seus próprios governantes, que têm como objetivo prioritário seus interesses individuais. Hoje, as nações latino-americanas poderiam despontar como potências, sobretudo se houvesse um sentido de ‘latino-americanidade’, o que infelizmente ainda está longe de acontecer.

Anacrônico talvez seja o discurso da CNN, esta rede de comunicação que insiste em destacar a visão eurocêntrica de mundo e de modelos sociais e políticos baseados na supremacia de umas nações frente a outras, em uma demonstração clara de que os grandes grupos multimídia não fazem mais do que responder aos interesses dos grandes grupos econômicos – e por vezes políticos – dos quais são integrantes e/ou defensores. Seus discursos não passam de estratégias, pois a prática discursiva contribui tanto para a transformação como para a reprodução dos elementos sociais, tais como crenças, identidades e, sobretudo, relações de poder. O filósofo contemporâneo francês Michel Foucault tem uma afirmação interessante que nos ajuda a compreender este fato: ‘Em toda sociedade, a produção do discursos é, ao mesmo tempo, controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certos números de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade’ (1986, p.8-9).

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Doutora em História da Comunicação pela Universidad Complutense de Madrid, professora da Faculdade 2 de Julho (Salvador, BA) e da rede pública de ensino do estado da Bahia