Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Com o país em guerra não dá para ser isento

Não existe a verdade. Mesmo as descobertas da ciência, que são provadas, não são verdades absolutas, segundo nos ensina o mestre Cesário Leonel Ferreira, que por sua vez escreve baseado nas teorias do pensador francês Edgar Morin. Da mesma forma não existe imprensa isenta, imparcial. Ao pautar um assunto, determinar qual matéria deve ser manchete, ou no simples escrever de uma notícia, o jornalista precisa fazer uma opção, o que caracteriza a inexistência de isenção no jornalismo. Nada de errado nisso, é assim mesmo que as coisas funcionam; não existe outra maneira.

Vale esse esclarecimento inicial, porque tem a ver com a minha opinião sobre o papel da imprensa na cobertura dos fatos que envolvem o crime organizado em São Paulo. Baseada na sempre saudável tentativa de mostrar ‘os dois lados da questão’, a mídia, de modo geral, exagerou. Na tentativa de se mostrar isenta, acabou prestando um desserviço à sociedade ao tratar os bandidos como ‘o outro lado da questão’. Mas essa não é uma pauta normal. Diz respeito a uma luta do Bem (o poder constituído) contra o Mal (as facções criminosas). Temos, portanto, todos nós, jornalistas ou não, que deixar bem claro de que lado estamos.

Não vi – salvo as sempre honrosas exceções – matérias jornalísticas enfatizando que o ‘lado de lá’ é constituído por celerados, pessoas malformadas que cometeram crimes bárbaros, violentaram pessoas, roubaram, traficaram, seqüestraram, estupraram, mataram e torturaram. Que é constituído por gente que despreza a Justiça e que condena inocentes sem julgamento. Gente da pior espécie, que obriga outros presos a agirem segundo seus interesses financeiros, ameaçando-os de morte e realmente matando-os quando não obedecidos.

Salvo falha de observação minha, não me recordo de ter visto artigos indignados dizendo que o PCC não é um partido político e sim um grupo mal-intencionado disposto a desmoralizar o poder. Que é constituído por bandidos que matam pessoas inocentes, que queimam ônibus, depredam instalações particulares, chantageiam e subornam sem o menor pudor. Não vi matérias mostrando a tristeza dos parentes de pessoas assassinadas. Nem matérias com declarações de populares condenando os criminosos. Não vi entrevistas contando que policiais foram e estão sendo mortos friamente, apesar de estarem fazendo o possível para combater a marginalidade. Não vi sentimento de indignação na imprensa.

Enquanto é tempo

Claro que vi também publicações responsáveis, sérias e bem-intencionadas, mas infelizmente muito poucas. A maioria das matérias publicadas critica o governo, e não os bandidos, os verdadeiros responsáveis pelo caos. Vi gente lamentando que os presos estão sendo mal tratados nos presídios – o que é verdade e altamente condenável, o que absolutamente não justifica as ações terroristas. Vi pessoas falando mal das autoridades – como se estas pudessem fazer muito mais do que estão fazendo, visto que o problema é muito maior, fruto de uma sociedade há muito injusta e de um regime econômico perverso. Vi até – pasme! – gente defendendo os marginais, sob o argumento de que os políticos também roubam (que absurdo essa comparação!). Vi a imprensa dar espaço para políticos tirarem lasquinhas eleitorais do episódio. E reportagens valorizando a ‘organização’ dos bandidos. Vi bandido sendo tratado como herói, inclusive merecendo capa de revista!

Mais do que o dever de noticiar isentamente os fatos, a imprensa tem um compromisso com a ética e a responsabilidade social. É ela – só ela! – que tem o poder de formar, informar, ou… deformar a opinião pública. Ela é o maior dos poderes constituídos! Por isso os jornalistas têm dever de pensar no impacto social que a matéria vai causar na opinião pública antes de publicá-la, e não apenas no ibope que vai dar. A cada redação de noticia, reportagem ou editorial, cabe a autopergunta: ‘Quem sairá beneficiado com esta publicação?’. É dever do jornalista modificá-la se a auto-resposta for que o mal será favorecido. Se alguns jornalistas assim tivessem agido, muitas matérias certamente não teriam sido publicadas.

É preciso reagir enquanto é tempo. Com coragem, ética e responsabilidade social.

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Coordenador do Núcleo Regional de Sorocaba da Aliança Internacional de Jornalistas, Itapetininga, SP