Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Combate-se o tráfico liberando geral

Vejam esta
matéria
do jornalista Alexandre Garcia, da Rede Globo:




Combate-se o tráfico combatendo o consumo


‘São sete mil mortos no México e 50 mil por ano aqui. No México ou aqui, na
base de tanto crime, está a droga. Nos ciclos do crime, fica enfraquecida a
máfia italiana depois da Operação Mãos Limpas na Itália. Ela se organiza de
outra forma na Rússia. Estão se esgotando os cartéis colombianos e seus
intermediários das Farc, mas se fortalecem cartéis mexicanos.


No Brasil, temos equivalentes. Por isso, há lições a tirar do México: a
constatação de que só a repressão aumenta a violência da ação criminosa. Os
traficantes ficam nervosos e, na outra ponta, os usuários ficam
desesperados.


Os Estados Unidos são alvo de traficantes porque são os maiores consumidores
do mundo. Para combater o tráfico, tem de combater o consumo que o sustenta. Daí
a necessidade de campanha contra o consumo, que vai ter de descobrir o que leva
a pessoa a se escravizar pela droga.


Vai ter de examinar que vazio interior leva à droga e o que está fazendo as
pessoas fugirem de si mesmas e encontrar o caminho que substitui os risos falsos
da alegria da droga. Aí, não há como não chegar à velha fórmula descoberta desde
que a humanidade começou a pensar: `Conhece-te a ti
mesmo´.’


Nervosos e desesperados


No meu entender, é assim que a notícia deveria ser ‘Combate-se o tráfico
liberando geral’. Envie ao jornalista o seguinte comentário:


Prezado Alexandre Garcia,


Tendo observado o comportamento dos droga-adictos ao longo de vários anos,
gostaria de tecer o seguinte comentário.


O início do consumo se dá pelo desejo de acessar o proibido. Os efeitos
prometidos pela droga são extremamente atrativos, na medida em que oferecem
liberdade e transgressão. Consumir droga é estimulante porque oferece a
possibilidade de acessar um mundo interior totalmente próprio, diferente do
cotidiano que muitas vezes revela uma realidade insossa, mediocremente vazia e
sem perspectivas de melhora. Mas o que realmente aguça a vontade de consumir é o
desejo de transgredir, romper limites burlar as regras. É este o verdadeiro
estímulo para entrar no mundo das drogas. Os efeitos alucinógenos são um bônus,
tornar-se refém é a conseqüência. O prazer acontece apenas na primeira vez;
depois é vício, prisão, domínio, abandono, solidão e o desafio passa a ser
retornar para o lugar de onde veio. O desastroso é perceber que não vai
conseguir…


É aqui, com a devida vênia, que divirjo da sua opinião e de muitos outros,
quando dizem que é preciso ‘combater as drogas, combater o consumo’. Neste
combate, todos saem perdendo. Você mencionou isso muito bem na matéria quando
disse que na repressão ‘os traficantes ficam nervosos e os usuários ficam
desesperados’. Ora, é exatamente isso que temos que evitar. Não queremos ninguém
nervoso com armas nas mãos, para que não haja derramamento de sangue e não
queremos ninguém desesperado para que não incitem à revolta e piorem ainda mais
as coisas.


Desinformação e contra-senso


Vencer as drogas é uma questão de estratégia. O único modo de vencer esta
luta é tirando a importância, banalizando. Como se faz? Permitindo totalmente o
acesso, inundando o mercado de toda a espécie de narcóticos, como qualquer
produto comercializado nas barracas dos camelôs.


Foi depois de muito refletir que notei este exemplo simples, que vem da
economia… O que acontece quando a moeda americana atinge um nível preocupante?
O governo intervém despejando dólares no mercado. Resultado: o preço despenca,
porque a procura deixa de existir, perde-se o interesse… É assim que
funciona!


Do mesmo modo, não se combate um inimigo poderoso com enfrentamento direto,
mas com inteligência e estratégia. Estranho? Imagine esta constatação partindo
de um educador, como eu, que há anos vem tentando encontrar modos para amenizar
os efeitos deste mal que nos assola. Eu gostaria de conhecer um pouco mais de
mim mesmo e dos que me cercam, mas o pouco que sei sobre os homens e os bichos é
que num ponto somos iguais: assim como não se doma um cavalo com esporas, não se
modifica o comportamento humano na base da repressão… Os 7 mil mortos no
México e os 50 mil no Brasil não morreram por causa do consumo de drogas, mas
pelo enfrentamento com a polícia. Então, não é a droga que mata, são as balas
utilizadas para combater o narcotráfico. São essas mesmas balas que, tão
perdidas quanto quem as autoriza o disparo, fazem vítimas, inocentes que jamais
consumiram drogas. Mais uma vez, estamos diante de uma visão distorcida dos
fatos e a imprensa, como sempre, aumentando com suas enormes lentes a
desinformação e o contra-senso.


Ganhar a vida com a morte


Estratégia de combate ao narcotráfico é banalizar o produto por meio da
oferta gratuita
em locais apropriados, onde se possa controlar o uso e
buscar a reversão da situação.


Além de liberação ampla total e irrestrita, como se faz com o cigarro e com
as bebidas, oferecer as drogas gratuitamente aos consumidores, em doses
não superiores ao consumo de momento, evidentemente, aproveitando a ocasião da
distribuição para propor um tratamento para recuperação; estimular a educação
para o trabalho e para a vida, com atividades muito mais interessantes e que só
sejam possíveis de realizar estando ‘limpo’; não abandonar os jovens quando
estes mais precisam da sociedade e dos educadores; mostrar, enfim, que viver na
nossa sociedade vale mais a pena do que viajar para outros mundos em busca de…
felicidade!


É assim que se transformam as pessoas. O resto é interesse pessoal de gente
encontrou no combate armado às drogas uma forma de ganhar a vida, sem se
importar com a morte… dos outros…

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Pedagogo, São Paulo, SP