Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Comentários esparsos a uma bela entrevista

Perguntas inteligentes e pertinentes presentearam os leitores de Caros Amigos (neste mês de julho que acabou de acabar) com uma bela entrevista de Oscar Niemeyer. O arquiteto, amante da originalidade e da surpresa, e cansado de receber as mesmas perguntas, desta vez elogiou o trabalho.

Ao todo, 90 minutos de entrevista. Marina Amaral, Claudius, Gershon Knispel, Marcelo Salles, Rafic Farah e Thiago Domenici foram os perguntadores.

O respeito pelo entrevistado se manifestou de mil formas. Chamá-lo de ‘senhor’, por exemplo, embora o próprio Niemeyer se refira, num dado momento, ao modo como Prestes, in illo tempore, reagiu a este tratamento cerimonioso: ‘Lembro que o Prestes foi no meu escritório, quando ele chegou de fora, eu falei: ‘Senhor…’. Ele disse: ‘Senhor é senhor de engenho ou Nosso Senhor’.’ Mas Niemeyer é senhor, sim: um senhor arquiteto.

Várias perguntas sobre a arte de projetar beleza. Ser arquiteto é brincar de Deus. Arkhitéktón, em grego, é aquele que possui o dom superior de organizar as formas, criar estruturas diferentes, despertar a emoção, produzir motivos para a contemplação. Niemeyer faz um elogio ao concreto armado, às formas que dialogam com a natureza, com o mistério do beija-flor.

Dimensão política

Niemeyer valoriza os amigos. Conversar com os amigos é outra forma de produzir beleza, gerar surpresas e emoções. Levou amigos consigo, na época da construção de Brasília, para poder libertar-se da obsessão. Construir amizades é tão divino quanto edificar monumentos.

Com quase um século de vida, mantém viva a esperança. Quem trabalha sempre tem esperança. E ‘pra viver tem que trabalhar’. Quem projeta e realiza não tem tempo para pessimismos. Seu realismo não lhe permite ilusões. No Brasil, no mundo, aplaudimos o idealista e depois vamos embora, cuidar da vida, e que o idealista se vire sozinho. Por isso o idealista precisa trabalhar.

‘E Deus?’ — pergunta Rafic Farah, que bem conhece o prazer de ser criativo e criador. Niemeyer, como bom comunista brasileiro, é ateu não-praticante: ‘Pode ser.’ Gosta de conversar com os padres, seu avô foi católico.

Marina Amaral enfatiza a dimensão política. Niemeyer esperava mais de Lula, mas concede que o presidente tem mantido a situação dentro de limites aceitáveis. Não atua de maneira tão revolucionária, como tantos desejariam, mas continua sendo um operário que ‘está aí pensando no povo’.

Título da entrevista: ‘Um anjo comunista’. Subtítulo: ‘Entrevista apaixonada’.

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Doutor em Educação pela USP e escritor (www.perisse.com.br)