Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Como desacreditar uma matéria em alguns retoques

Nas redes sociais, o termo “tio do Photoshop” é amplamente utilizado para designar o profissional que carrega demais nos efeitos do famoso software de manipulação de imagens. Existe, inclusive, um site chamado Photoshop Disasters que faz a alegria de designers profissionais – e também de leigos no assunto – mostrando como uma imagem pode ficar desastrosa caso as ferramentas do programa sejam usadas de maneira inadequada. Há distorções tão bizarras que as fotos e as imagens originais ficam parecendo projetos de Frankenstein, com pedaços de corpos que não se encaixam, praticamente quadros cubistas ilustrando outdoors e capas de revista.

O uso do Photoshop na publicidade é notório. Já houve escândalos envolvendo marcas de cosméticos, por exemplo, que prometiam um resultado incrível na pele com o uso contínuo de seu produto, quando a mágica não estava exatamente no potinho de creme, mas nas inúmeras opções de ferramentas para tratamento de pele existentes no programa da empresa Adobe. Em alguns países, a desonestidade nas propagandas geralmente vai parar nos tribunais e rende ampla divulgação na mídia. Aqui no Brasil, contudo, a manipulação de imagens ainda é considerada inofensiva para alguns, grotesca para outros e sequer é percebida por milhões de pessoas. É justamente por este fato – de muitos ignorarem que uma imagem real foi alterada por um programa de computador – que a capa da revista Claudia do mês de agosto é um atentado ao direito de informação por parte de suas leitoras.

Uma mulher que não precisa retoques

A jornalista e apresentadora do Fantástico Renata Ceribelli aparece na capa de Cláudia com um vestido amarelo, um sorriso largo e um silhueta tão esguia que de cara desperta admiração – e desconfiança. Certamente muitos leitores de Cláudia acompanharam a saga de Ceribelli e de seu colega Zeca Camargo em busca de um corpo mais saudável e mais enxuto no quadro “Medida Certa”do programa dominical da Rede Globo. Declaradamente, Renata Ceribelli perdeu cerca de nove quilos de gordura e 14 centímetros na medida da barriga. Sem dúvida, um bom resultado para os três meses de treinos físicos e reeducação alimentar exibidos no Fantástico como uma espécie de mini-reality show.

Só a mensagem da importância de ter uma boa forma física e alimentar-se saudavelmente já é louvável como um serviço de informação e de utilidade pública. Os esforços dos dois apresentadores em se mostrarem “gente como a gente” em busca de uma vida mais saudável garantiu uma boa audiência e muitos elogios por parte dos telespectadores. No entanto, a controversa foto da capa da revista feminina pode ter colocado a credibilidade do quadro do Fantástico a perder.

No momento em que Renata Ceribelli aprovou a foto da capa, a jornalista vendeu a alma ao diabo. Aceitou que uma imagem ilusória ajudasse a vender o sonho do corpo esguio às leitoras de Claudia, em sua maioria mulheres adultas entre 25 e 50 anos. Pelo menos – talvez por descuido ou por apostar que ninguém perceberia –, as imagens de Ceribelli nas páginas internas da revista são mais próximas da real silhueta da jornalista e aparentemente sofreram retoques mínimos. A polêmica, contudo, levou os responsáveis pela publicação da Editora Abril a publicarem uma nota no início do mês afirmando que “asilhueta de Renata não sofreu nenhum tipo de retoque, como Photoshop” e que “a pose, com as mãos apertando a cintura e o tórax projetado para frente, emagrece mesmo”. Na nota, assinada pela repórter Marcia Kedouk, há ainda um desafio: Kedouk sugere às leitoras tentarem a mesma pose e usar o mesmo tipo de “segredo” da editora de moda de Cláudia – usar roupas monocromáticas – para parecerem mais magras em fotografias.

Pelos comentários dos internautas no próprio site da revista Claudia, a justificativa não convenceu ninguém. Pelo contrário: os leitores demonstram-se indignados pelo fato de os responsáveis pela polêmica foto subestimarem sua capacidade de mera observação de uma imagem. Tanto os braços quanto a cintura da jornalista, além dos quadris, parecem desproporcionais em relação ao resto do corpo, coisa que não acontece nas imagens internas da publicação, e muito menos quando assistimos à apresentadora ao vivo no Fantástico.

O que salva a edição de agosto da revista Claudia desta situação – no mínimo, embaraçosa – é a lista das finalistas do Prêmio Claudia 2011, evento que busca trazer reconhecimento às mulheres brasileiras que desempenham papéis importantíssimos no desenvolvimento do nosso país e da sociedade como um todo. Uma delas é a advogada Maria Berenice Dias, uma das primeiras defensoras dos direitos dos homossexuais aqui no Brasil. Sem dúvida, uma mulher que não precisa de retoque algum para receber a admiração dos leitores de Claudia.

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[Candice Soldatelli é bacharel em Comunicação, São Marcos, RS]