Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Como lidar com as imagens da guerra

Em sua coluna de domingo [3/8/08], o ombudsman do New York Times, Clark Hoyt, analisou a publicação das imagens da guerra do Iraque pelo diário. Este ano, 221 soldados americanos foram mortos no Iraque. No entanto, há até pouco mais de uma semana, o jornal não havia publicado nenhuma foto de corpos de americanos mortos no conflito. A primeira vez foi no dia 26/7: a foto de um quarto com cadáveres, após uma ataque suicida em junho, mostrando um marinheiro no chão, com o rosto coberto e uniforme destruído. A imagem acompanhava um artigo de capa sobre a escassez deste tipo de foto na mídia.

A matéria dizia que um fotógrafo freelancer que tirou a foto, Zoriah Miller, foi proibido de cobrir a marinha americana no Iraque após ter publicado esta foto e outras em seu sítio, no final de junho. Uma outra fotografia que acompanhava o artigo, de um capitão americano morto, deitado em uma poça de sangue em 2004, também trouxe problemas ao fotógrafo na época.

O jornalista e fotógrafo independente Michael Kamber, que trabalho como freelancer para o NYTimes no Iraque, e Tim Arango, que escreve sobre mídia, detalharam na matéria a tensão entre jornalistas que se sentem no dever de mostrar a guerra em todos os seus aspectos, e o exército, que está determinado a proteger a imagem de seus membros.

As regras para repórteres e fotógrafos que acompanham as tropas não proíbem fotos de mortos ou feridos, porém os comandantes usam uma variedade de táticas para evitá-las. Além disso, o declínio do número de fotógrafos ocidentais no Iraque – o NYTimes tem dois – implicou em uma pouca quantidade de fotos de soldados americanos mortos em cinco anos de conflito.

Gail Buckland, autor e professor de história da fotografia da Cooper Union, em Nova York, alega que o registro da guerra do Iraque é mais pobre do que o da Guerra Civil, no século 19.

A dor da perda

O assunto é delicado: a experiência do NYTimes nos últimos anos com fotos de feridos ou de mortos envolve questões emocionais imprevisíveis. Em janeiro de 2007, Robert Nickelsberg, fotógrafo independente que trabalhava para o diário, e Damien Cave, correspondente do jornal, estavam acompanhando o exército americano em um bairro perigoso em Bagdá. De repente, o sargento Hector Leija, com o qual Cave e Nickelsberg estavam conversando minutos antes, levou um tiro na cabeça. Ambos socorreram o soldado e o fotógrafo tirou fotos o tempo todo. Leija acabou morrendo no dia seguinte.

O diário esperou três dias, até que a família de Leija fosse notificada de sua morte, para publicar uma foto sua na maca, com a mão de outro soldado cobrindo a ferida. O jornal também postou um vídeo de cinco minutos, narrado por Cave, documentando a frustração dos companheiros do sargento. Michele McNally, editora-assistente de fotos, alegou que o NYTimes estava tentando contar a história e ser sensível ao assunto.

No entanto, amigos informaram que a família do soldado estava chateada com a cobertura e o exército não aprovou a divulgação. Nickelsberg disse que ninguém no Iraque o impediu de fotografar. O exército chegou a proibir os dois de acompanharem as tropas, mas voltou atrás. Bill Keller, editor-executivo, escreveu uma carta para a família lamentando a dor deles, porém sem se desculpar de publicar a foto e o vídeo.

Em 2006, João Silva, fotógrafo independente que trabalha para o NYTimes, tirou uma série de fotos dramáticas de Juan Valdez-Castillo, marinheiro seriamente ferido no Iraque e resgatado heroicamente pelo sargento Jesse Leach. A marinha chegou a pedir cópias das fotos para apoiar a indicação de que Leach recebesse uma medalha – homenagem recebida posteriormente. A diferença, ressalta Hoyt, é que no primeiro caso o soldado morreu; no segundo, ele sobreviveu.

Na opinião do veterano do Vietnã Jim Looram, fotos de soldados mortos não deveriam nunca ser publicadas durante a guerra. Para ele, civis não entendem o que é estar em um campo de batalha. Sua filha, Meaghan, é a editora de fotos do NYTimes que lidou com as imagens que acompanharam o artigo de Kamber e Arango. Ela, no entanto, discorda de seu pai: ‘Olhar as fotos de um soldado seriamente ferido ou morto é uma experiência afetiva e emocional. Porém, eu acho que é meu dever como jornalista mostrar todas as conseqüências que uma guerra pode trazer’.