Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Credibilidade da imprensa cada vez menor

O que está acontecendo na Faixa de Gaza é uma das maiores barbaridades que a história já registrou. Não é a única no mundo de hoje, mas é das piores face ao procedimento adotado pelo Estado de Israel.

Não se trata só de matança generalizada, prisões arbitrárias, torturas abundantes, isto tudo é normal e acontece na região há dezenas de anos. Não é mais uma questão de se posicionar contra ou a favor da violência, se Israel tem razão ou não, se palestinos estão certos ou não. Não é mais uma simples retórica sobre a necessidade de chegar a um acordo que preserve minimamente vidas humanas. Já extrapolou tudo que se conhece de decência, ética, dignidade, respeito, solidariedade, humanidade principalmente.

O que se assiste é um Estado deliberada e organizadamente a destruir uma população usando o que de mais moderno existe em termos de armamentos. Satélites, aviões, helicópteros, tanques, equipamentos de visão noturna, armas automáticas etc. contra o quê?

Não basta confinar os palestinos na maior prisão a céu aberto que a humanidade já viu, sem nada igual em qualquer momento de barbárie que a história já presenciou. E agora, sob a justificativa de libertarem um soldado israelense preso por combatentes palestinos, as forças armadas de Israel, com todos seus equipamentos hightech, simplesmente arrasam áreas urbanas, matando, prendendo ou torturando civis, estejam ou não combatendo a ocupação israelense nos territórios palestinos.

A desigualdade entre as forças combatentes é muito grande. Só o fato de que Israel possui armamentos atômicos dá a dimensão dessa diferença e, no entanto, depois de dezenas de anos ceifando vidas dos dois lados, não se conseguiu dobrar a espinha dorsal dos palestinos. E pelo andar da carruagem, não conseguirão nunca, mesmo que o processo de aniquilação total dos palestinos seja alcançado.

Manipulação e propaganda

Mais abjeto ainda é o papel da maior parte da grande mídia mundial. De maneira geral, o que se veicula são informações de cunho oficial das autoridades israelenses ou de ‘especialistas’, analistas e intelectuais que, de alguma forma, são próximos de Israel.

Quase tudo que se refere aos palestinos vem sempre com a qualificação de terroristas. Não são combatentes, não lutam contra a ocupação militar em suas terras, não são dignos de ser reconhecidos como lutadores. Antes, são sempre terroristas, fanáticos, fundamentalistas. Se civis israelenses morrem num atentado a bomba, a grande mídia ataca os palestinos, chamando-os de terroristas que não respeitam a vida de inocentes. Quando Israel, por meio dos seus bem armados soldados matam civis palestinos (mulheres, crianças, velhos) sob a justificativa de matar líderes do al-Fatah, Hamas e FPLP, tudo bem, nada a acrescentar. Faz parte da luta.

Covarde e hipocritamente, a imprensa mundial se cala e apenas reproduz os releases do governo israelense. E aqui, no patropi, assiste-se à mesma toada. Geralmente, sob o rótulo de ‘Da redação’, jornais copidescam informações vindas das agências internacionais, cozinhando um texto já manipulado na origem. Nos telejornais, com maior ênfase o Jornal Nacional da Rede Globo, os palestinos são sempre mostrados como terroristas que atrapalham as negociações de paz que Israel – sob o patrocínio dos EUA e da União Européia – querem para a região.

Um bom exemplo desta manipulação grosseira são as declarações do primeiro-ministro israelense, divulgadas na matéria ‘Olmert diz que não há crise humanitária’, da agência Reuters, publicada na Folha de S. Paulo, caderno ‘Mundo’ (7/7). O texto por si só é auto-explicativo desta manipulação e propaganda da mídia mundial pró Israel, repetida no Brasil.

‘O premiê israelense, Ehud Olmert, negou a existência de uma crise humanitária na faixa de Gaza, embora veja um ‘pouco de desconforto’. A população de Gaza enfrenta cortes de energia desde que transformadores centrais foram atingidos na ação militar israelense desencadeada pelo seqüestro de um soldado por radicais palestinos. ‘Disse ao secretário-geral da ONU [Kofi Annan]: ‘A verdade é que não é confortável para os palestinos ficar sem energia elétrica’, disse Olmert. ‘Ninguém morreu por falta de energia elétrica. Há um pouco de desconforto, e daí?’ Segundo ele, os hospitais estão funcionando com energia de geradores. ‘Os hospitais têm eletricidade dos geradores. Não nos digam que estão morrendo por falta de diálise.’ Ontem, Israel abriu o oleoduto que leva o combustível usado pelos moradores de Gaza para abastecer os geradores de suas casas. Em conversa com Condoleezza Rice, secretária de Estado dos EUA, Olmert afirmou que Israel irá ‘suprir todas as necessidades da população’.’

Tão longe, tão perto

Pois é. Tudo não passa de apenas um ‘pouco de desconforto’, nada mais, para os palestinos que moram na Faixa de Gaza. Ou melhor, no maior campo de prisioneiros que o mundo já viu em toda sua história.

E a mídia brasileira, sem nenhuma vergonha, continua no mesmo diapasão a repetir, igual a um papagaio – afinal, não é uma ave tropical? –, toda propaganda que a imprensa mundial faz sobre a ocupação militar em terras palestinas… no Iraque, no Afeganistão, no Haiti, no Timor Leste, na Somália…

Dá muito trabalho fazer reportagens sobre esses assuntos e custa muito caro. E, depois, para quê? Isso está acontecendo tão longe, não ‘interessa’ à nossa realidade. Já bastam as manipulações que são feitas aqui mesmo nos assuntos que ‘interessam’ aos brasileiros. Enquanto isso, a credibilidade da mídia brasileira fica cada vez menor…

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Jornalista