Saturday, 18 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1288

Crônica da República Popular dos Publicitários

Na quarta-feira (6/7), como sempre faço, assisti ao Jornal da Band. Mas foi o que vi no intervalo que me chamou a atenção. Entre um bloco e outro do telejornal, foi veiculada uma propaganda oficial do município de Osasco. A peça de propaganda foi bem produzida e certamente custou uma pequena fortuna. Sua divulgação num horário tão concorrido, idem. Ocorre que moro e advogo na cidade Osasco. Tenho vários processos contra o município, alguns deles aguardando o pagamento dos respectivos precatórios. Ao ver a propaganda e imaginar o quanto ela custou, lembrei algo que me deixou profundamente magoado como cidadão e profissional.

Consoante informação prestada pelo TJESP https://esaj.tjsp.jus.br/cpo/sg/show.do?processo.foro=990&processo.codigo=RI000C4Q80000, em 24/11/2010 foi decretada intervenção em Osasco por não pagamento de um precatório. A decisão foi publicada no DOE em 13/12/2010 e transitou em julgado . O governador recebeu o ofício para nomear interventor em março de 2011. Já estamos em julho de 2011 e até o presente momento o ilustre governador Geraldo Alckmin não tomou qualquer providência.

A prefeitura de Osasco não paga precatórios nem após a decretação de intervenção, mas o município tem condições de gastar rios de dinheiro com propaganda na TV. Isto é um ultraje. Também é ultrajante a atitude do senhor governador, que não tomou nenhuma providência para fazer cumprir a decisão judicial válida que determinou a intervenção.

Não há espaço para o respeito às decisões judiciais

Formalmente, o Brasil é uma república democrática. Na prática, virou a república popular dos publicitários. Afinal, aqui eles continuam recebendo dinheiros para produzir peças publicitárias mesmo quando credores de precatórios não são pagos.

Quando estourou o escândalo do Marcos Valério, pensei que o país retornaria aos trilhos. Qual nada. Com ajuda de políticos sem escrúpulos e sem piedade por credores judiciais, os publicitários seguem sendo os primeiros cidadãos da República. Cabe a eles continuar construindo uma imagem distorcida e mentirosa dos políticos, inclusive diante das próprias pessoas que têm sido preteridas e prejudicadas por prefeitos como o de Osasco. O pior é que, ao contrário dos credores de precatórios, os publicitários recebem pontualmente pelos serviços que prestam.

Nesta República Popular dos Publicitários, um prefeito pode autorizar despesas com propaganda mesmo quando não saldou dívidas judiciais. Ninguém se importa. O Judiciário decide os pedidos de intervenção, mas não existe um prazo para que o governador cumpra o ofício nomeando interventor. O atual governador de São Paulo, que já recebeu o ofício acima mencionado há meses e nada fez, deu prova, mediante sua omissão, de que no “campo político” não há espaço para o respeito às dívidas estatais e às decisões judiciais.

Você quer acabar com o nosso ganha-pão?

Cidadãos credores de precatórios e seus advogados são menosprezados e ficam impotentes, pois não têm qualquer visibilidade na República Popular dos Publicitários. Em Osasco, por exemplo, os jornais locais raramente publicam notícias contrárias aos interesses do prefeito. Todos os jornalecos locais dependem da publicação dos atos da prefeitura e de propaganda oficial para seguir existindo. Os jornais estaduais, por sua vez, nem tomam conhecimento do problema. Periferia é coisa que não existe nas páginas de Política do Estadão e da Folha de S.Paulo. Qual foi a última vez que os jornalões falaram algo de Osasco? Quando o cartunista Glauco foi morto, imagino. As emissoras de TV, que faturam alto para veicular propaganda oficial, nunca tomam conhecimento do sofrimento, penúria e dor dos credores que forem preteridos justamente por causa dos gastos com propaganda feitos pelo burgomestre de Osasco.

Em Brasília, os políticos discutem a reforma política. A imprensa se agita e propostas são debatidas intensa e apaixonadamente. Uma medida importante e rigorosamente justa seria, por exemplo, proibir prefeituras, estados e suas respectivas autarquias, fundações e empresas públicas de fazer propaganda oficial enquanto os estoques de precatórios vencidos não forem pagos. O que é isto, companheiro? Você quer acabar com o nosso ganha-pão, gritariam os primeiros cidadãos da República. Quem os políticos ouviriam? A voz da razão, da moralidade, da justiça e dos credores ou a dos publicitários?

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[Fábio de Oliveira Ribeiro é advogado, Osasco, SP]