Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Da tragédia à festa sem reflexão

Já faz algum tempo que a edição de notícias da TV Globo me causa um certo espanto, mas, ontem, acredito, a emissora passou da conta… Refiro-me ao episódio da tragédia que abalou o Rio e o Brasil na semana passada, relativo à queima do ônibus com os passageiros dentro. Após a exploração sentimental do motorista (o que a emissora deseja com esse tipo de reportagem, que, a meu ver, apenas induz ao sofrimento e a nenhuma informação ou reflexão?), começa um sério depoimento da delegada que interrogou as meninas (de 13 anos?!) que pararam o ônibus.

A delegada, visivelmente emocionada, apesar do semblante de ‘durona’, afirma que não consegue entender o que se passa na cabeça daquelas crianças e que deveria rever seus conceitos para realizar o interrogatório, pois as meninas seriam tão vítimas quanto os passageiros. Ou seja, enfim, na TV brasileira ensaia-se uma reflexão séria (pois o problema é realmente muito sério).

Festa para poucos

Não mais que de repente, o depoimento é cortado e entra uma vinheta sobre o tetracampeonato do Corinthians. Nenhum comentário dos âncoras, nenhuma reportagem de passagem, simplesmente em alto som o hino do Corinthians e a comemoração dos torcedores/jogadores…

Pergunto: qual o serviço prestado por esta emissora? Será que realmente ela deseja contribuir para que a barbárie que estamos vivendo possa ser refletida e encarada com seriedade, ou o que vale é o entretenimento, tratar os assuntos mais sérios em forma de entretenimento, tal qual o episódio de explorar a dor do motorista? Não me refiro apenas ao viés ideológico da emissora (dias antes, reportagem do JN induzia claramente ser um absurdo servirem carne de primeira aos presos em Mato Grosso do Sul; acho que a emissora não acredita mesmo na recuperação dos detentos, o bom mesmo é perpetuar o atual sistema carcerário do país), mas, sobretudo a leviandade com que os assuntos são tratados.

Afinal, eles parecem não saber que no nosso país a festa não é de quem quiser ou de quem vier…

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Economista, Brasília