Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Desaparece um símbolo do coronelismo eletrônico

Faleceu na sexta-feira (20/7), aos 79 anos, o senador Antonio Carlos Magalhães (DEM-BA). Sua biografia e, sobretudo, sua carreira política são paralelas à consolidação de um sistema de comunicação de massa na Bahia e no Brasil. Político profissional desde o início da década de 1950, ele talvez tenha sido a figura emblemática por excelência do coronelismo eletrônico no país. Esse, aliás, é um importante aspecto da sua vida pública que os vários obituários publicados pela grande mídia ignoram ou ao qual fizeram apenas referências ligeiras.

O coronelismo eletrônico exige o compromisso da participação recíproca tanto do poder concedente como do concessionário que recebe a outorga e explora o serviço público. Como deputado estadual, federal, governador, ministro das Comunicações e senador, ACM foi ativo como concessionário – direto e/ou indireto – de emissoras de rádio e de televisão, mas, sobretudo, como poder concedente.

Ao longo de sua vida pública, ACM e seus aliados ‘carlistas’ conseguiram construir uma extensa rede de radiodifusão na Bahia, um dos estados da Federação onde há maior controle da radiodifusão por políticos profissionais.

Motivação poderosa

Levantamento feito em 2005 mostrou que cerca de 30% (65) das 217 emissoras baianas de rádio (AM e FM) e televisão eram controladas por políticos no exercício do mandato eleitoral. Desse total, 41 pertenciam a senadores, deputados federais, deputados estaduais, prefeitos, vice-prefeitos e vereadores; outras 24 a seus familiares – como pais, esposas, filhos e cunhados. A maioria dessas emissoras está localizada no interior do estado e são 34 rádios FM, 27 AM e quatro canais de televisão.

Mais recentemente, estudo ‘Rádios comunitárias: coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2004)‘ revelou que 55,9% (90) das 161 rádios comunitárias autorizadas pelo Ministério das Comunicações a funcionar na Bahia entre 1999 e 2004 são controladas por políticos. Vinte delas são controladas por políticos do DEM (ex-PFL), o partido de ACM.

O grupo de ACM controla a TV Bahia, que passou a ser afiliada da Rede Globo em 1987, substituindo a TV Aratu, a afiliada dos 18 anos anteriores. Especulou-se à época que a troca era a recompensa da Globo às pressões exercidas por ACM (então ministro das Comunicações do governo José Sarney) para forçar a mudança de controle da NEC do Brasil. Além da ‘cabeça-de-rede’ regional em Salvador, o grupo controla seis retransmissoras espalhadas pelo estado, o jornal Correio da Bahia, a BahiaSat Comunicações e a Rádio Tropicalsat FM.

Fim de uma era?

ACM foi escolhido ministro das Comunicações depois de um complicado processo que envolveu as relações da Globo com o novo bloco de poder em formação ao término do regime militar, em 1984-85. Após a vitória no Colégio Eleitoral, Tancredo Neves foi almoçar com Roberto Marinho e ACM – velhos amigos – na residência que a Globo mantém em Brasília. Poucos dias depois, o presidente eleito anunciou que seu secretário de Imprensa seria Antônio Brito, comentarista político da Rede Globo, e Antonio Carlos Magalhães o novo ministro das Comunicações.

Tendo falecido antes da posse, o vice José Sarney assumiu a presidência e manteve a indicação de ACM. Durante os cinco anos em que foi ministro das Comunicações, ele quebrou um recorde na história da radiodifusão brasileira: autorizou concessões de 1.028 emissoras de rádio e TV. O número chega perto do total registrado em 65 anos (entre 1934 e 1979): 1.483 concessões. Só entre novembro de 1987 e setembro de 1988, ACM distribuiu concessões para 362 FMs, 182 AMs e 42 canais de televisão.

Paulino Motter em dissertação de mestrado defendida no Instituto de Ciência Política da UnB, em 1994, mostra que boa parte dessas concessões serviram de moeda de troca para que se votassem pontos importantes da Constituição de 1988 – e não só no capítulo da Comunicação Social – então em fase de elaboração. Por exemplo: dos 91 deputados constituintes que receberam emissoras, 90,1% votaram a favor do mandato presidencial de cinco anos de José Sarney.

Resta saber se a morte de ACM, que certamente foi o principal líder político da Bahia nos últimos 50 anos, sinaliza também o fim de uma forma de fazer política ou se o ‘carlismo’ sobreviverá sem a sua principal figura.

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007).