Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Desinformação com sotaque carioca

Tive pena dos telespectadores da TV Bandeirantes que, sem ter a sorte de morar ou conferir pessoalmente em Salvador esses sete dias mágicos de total frenesi e catarse, tentaram conhecer, pela televisão, o carnaval da Bahia. Não tenho dúvida: a principal atração do carnaval transmitido para todo o Brasil pela TV Bandeirantes – batizado este ano de Band Folia – foi a própria Band. Ou suas estrelas: Astrid Fontenelle, Sabrina Parlatore, Marcos Mion, Viviane Romanelli, Leonor Correia, Betinho, Beto Hora e mesmo a falsa baiana Preta Gil, filha do ministro da Cultura, criada no mesmo Rio de Janeiro de onde veio o sotaque que infestou a telinha da emissora em rede nacional até os últimos acordes da maior festa popular do mundo.

Como cidadã soteropolitana que, se não chegou a conhecer os criadores do pau elétrico, desceu as ruas da cidade a partir dos 13 anos de idade hipnotizada pela guitarra inacreditável de Armandinho e embalada pelo fricote de Luiz Caldas, lamentei que os aspectos mágicos desta festa, marca do povo místico de uma cidade enigmática, que leva para as ruas, com orgulho, sua descendência africana, suas influências indígenas, seu protesto, seu samba, seu molejo e (por que não?) seu rock’n roll, tenham sido, deploravelmente, preteridos por um festival de merchandising e abobrinhas, exibições de ego, fofocas de artistas e rasgações de seda, transformando a transmissão da nossa festa – repito: a maior festa popular do mundo! – numa grande coluna social eletrônica.

Como jornalista, amarguei a ausência dos meus colegas baianos, competentes, que, mesmo tendo suado a camisa por um ano inteirinho decifrando a cidade com suas coberturas diárias, foram solenemente descartados de uma transmissão importante, grandiosa, privando o país de seu conhecimento sobre esta terra, sobre os blocos e sobre todos os artistas que desfilam nos trios (estes, aliás, em troca de uns minutos de publicidade, submetem-se ao ridículo de tecer loas ao vivo às ‘estrelas’ nacionais que comandam o naco de espaço na mídia). E, sobretudo, privando o país do nosso sotaque baiano que, em última análise, é o próprio sotaque desta festa.

Marcelão na caixa

Com o senso crítico intacto pela ausência do álcool – já que, este ano, pela primeira vez, optei por acompanhar o carnaval pela TV –, não pude deixar de sentir uma ponta de vergonha ao assistir ao espetáculo embaraçoso de ver a VJ Sabrina Parlatore ensaiar seus dotes de cantora em cima do trio ao lado da vocalista Aline, da banda Pinel; a apresentadora Viviane Romanelli – que comanda um programa diário para donas-de-casa – dançar freneticamente ao lado de seus convidados e depois aparecer, resfolegante, no vídeo; Leonor Correa, irmã do animador global Fausto Silva, admitir no ar que nunca tinha ouvido falar no bloco Me Deixe à Vontade e Preta Gil, forçando um sotaque baiano de novelas da Globo, informar a Astrid que, na Bahia, o pão baguete é chamado cacetinho (em qual padaria, cara-pálida?).

No Campo Grande, o mal-informado Betinho conseguiu o que, em outra circunstância, me pareceria impossível: deixar que a ex-loura do Tchan Carla Perez, sua parceira de transmissão, emprestasse alguma competência aos comentários da folia. Em anos anteriores, não pude deixar de registrar, em minhas rápidas passagens à frente da TV, repórteres cariocas e paulistas cometerem lapsos como situarem a cobertura no ‘Campo de Gandhi’ ou no circuito ‘Barra-Olinda’. Mas, desta vez, talvez pela minha exposição prolongada ante a TV, a cobertura dos colegas do ‘Sul-Maravilha’ superou todas as expectativas.

Um espetáculo triste que culminou, na última noite, com Durval Lélis fazendo aparecer de dentro de uma caixa, diante da multidão que o acompanhava na Barra, o namorado de Astrid Fontenelle – a quem ele chamou de Marcelão (?) – segurando um buquê de rosas, e a aspirante a cantora Sabrina Parlatore chamar Astrid de ‘rainha do Carnaval’. Esqueceram de apresentar Carla Cristina à moça.

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Jornalista