‘Nunca houve tanta falta de pluralismo na mídia brasileira como nos tempos atuais de hegemonia do neoliberalismo (…). Os jornais de referência nacional se tornaram tão parecidos que é comum confundir um com o outro nas bancas de revistas. Trazem as mesmas manchetes, as mesmas fotos dispostas da mesma forma, e os mesmos nomes de colunistas’.
Esse trecho, retirado do artigo ‘Do discurso da ditadura à ditadura do discurso’, escrito por Bernardo Kucinski em edição do Cadernos Le Monde Diplomatique (número e data da edição desconhecidos), foi o que me levou a observar as primeiras páginas dos principais jornais brasileiros datados de 11 de agosto de 2006. Ao visitar um sítio internacional que dispõe as capas dos maiores e mais influentes diários do mundo – indicado ocasionalmente por minha professora do curso de Jornalismo – pude constatar, na prática, em certos aspectos, o que Kucinski bem descreveu.
Com o intuito de uma simples análise comparativa, sem adotar meios e/ou estratégias de pesquisas mais complexas, resolvi checar até que ponto, no que se refere aos assuntos em destaque (as manchetes), os jornais por mim escolhidos se assemelhavam. Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo, Jornal do Brasil e O Globo foram os periódicos selecionados, tendo em vista a expressão política e também sua influência em todo o Brasil, não somente no eixo Rio-São Paulo.
Como que por decreto ou consenso, os quatro jornais repetem a grande manchete do dia: a polícia britânica conseguiu desarmar um plano terrorista para explodir aviões de passageiros entre Inglaterra e Estados Unidos. Tal manchete divide espaço com outra grande notícia, o relatório divulgado pela CPI das Sanguessugas, envolvendo dezenas de parlamentares em esquema de corrupção. Em O Globo, a ameaça de novos atentados, sob o título ‘A globalização do medo’, divide a atenção com outra informação não menos ‘bombástica’: ‘CPI quer cassar 72, mas eleitor pode punir antes’, seguida do subtítulo ‘Relatório aponta envolvimento de 69 deputados e 3 senadores com sanguessugas’. O Jornal do Brasil oferece destaque ainda maior ao ‘grande feito da polícia britânica’ com o título ‘Terror no ar’ e, logo abaixo, grande infográfico explicativo. Ao contrário de O Globo, o JB não dá destaque ao relatório dos ‘sanguessugas’ na primeira página do jornal.
Visão uniforme
Repetindo a dose, Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo também trazem com especial destaque de primeira página o desmantelamento, pela Scotland Yard, do plano para a explosão de 10 aeronaves com destino aos EUA. No Estadão: ‘Ingleses frustram maior plano terrorista desde 11/09’. Globo e Estadão fazem questão de frisar que o plano terrorista desfeito, caso fosse à frente, seria o maior atentado desde o 11 de setembro de 2001. A Folha resolve partir de outro enfoque: ‘Inglaterra diz que evitou atentados’. Ambos os jornais tratam do caos instaurado nos aeroportos espalhados por todo o mundo em virtude da ‘ameaça terrorista’ em Londres. Quanto ao relatório da CPI dos Sanguessugas, o Estado lhe dedica espaço menor no canto superior direito da página, com o título ‘CPI acusa 12% do Congresso em relatório’. Já a Folha reserva lugar mais generoso ao assunto, bem abaixo da notícia vinda de Londres: ‘CPI dos Sanguessugas pede a cassação de 72 congressistas’. Mas as chamadas nos levam a abordagens muito semelhantes.
Também chama a atenção pela semelhança de títulos e enfoques a notícia da entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo, do candidato à reeleição para a presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, destaque de primeira página apenas nos dois jornais cariocas. Tanto O Globo quanto Jornal do Brasil fornecem ao leitor o mesmo recorte jornalístico. Com os títulos ‘Nervoso, Lula erra em entrevista’ (O Globo) e ‘Atos falhos denunciam tensão de Lula na Globo’ (JB), os dois jornais, como num consenso, decidiram que o eixo da matéria seriam os ‘deslizes’ do candidato na entrevista a William Bonner e Fátima Bernardes.
Um leitor mais atento pode se perguntar: que motivos levam a essa mesmice nos jornais brasileiros? Entre tantos possíveis, a concentração desses veículos em mãos de poucas famílias ou grupos, menos de uma dezena, todos igualmente fiéis representantes das classes mais elitizadas da sociedade, além de interesses comerciais e políticos comuns. Fatores que acabam se refletindo, de uma forma ou de outra, na identidade dos jornais, padronizando seu conteúdo e, conseqüentemente, imprimindo-lhes uma visão uniforme, com raras divergências, sobre os fatos.
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Estudante de Jornalismo, 26 anos, Serra, ES