Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Divulga-se primeiro, para se confirmar depois

Terça-feira, 20 de maio, 17h15. Sites de notícias, entre eles Folha Online, Globo Online e Agência Estado, estampam manchetes como ‘Avião bate em prédio na Zona Sul de São Paulo’, ‘Avião da Pantanal se choca com prédio em São Paulo’ e ‘Prédio pega fogo em São Paulo depois de ser atingido por avião’. Abaixo das manchetes, apenas uma informação: a notícia tinha sido divulgada pelo canal de notícias GloboNews.

Imediatamente, procuro um aparelho de televisão conectado ao serviço de cabo para sintonizar a GloboNews. Encontro o canal exibindo imagens de um incêndio num prédio próximo ao Aeroporto de Congonhas, palco da tragédia do vôo 3054 da TAM, em julho do ano passado. No trajeto entre o computador e a TV, vários pensamentos passam pela minha cabeça: será que o pesadelo do vôo 3054 iria se repetir? O fim do caos aéreo, tão anunciado pelas autoridades, seria mais de um golpe de marketing? Algum parente ou amigo estaria no avião da Pantanal que se chocou contra o prédio?

Minutos depois, a palavra ‘avião’ some da legenda que acompanha a imagem da GloboNews. Vê-se um incêndio, mas nada de destroços. Volto a acessar os sites de notícias e alguns já tiraram da página a manchete catastrófica. Passam-se mais alguns minutos e vêm os desmentidos da empresa Pantanal , da Infraero e do Corpo de Bombeiros. Não houve queda de avião; o fogo vinha de um incêndio num depósito de colchões no térreo do edifício. Como internauta/telespectador, surgem dentro de mim dois sentimentos conflitantes: alívio e indignação. Não há novas vítimas do latente caos aéreo. Mas fui vítima de uma monumental ‘barriga’, como se diz de uma notícia falsa divulgada por um meio de comunicação.

Perda da confiabilidade

Como parte prejudicada, esperei um pedido de desculpas da GloboNews. Silêncio. No dia seguinte, acessei o site do canal na esperança de encontrar uma explicação aos telespectadores que receberam uma notícia falsa. Nada. Os outros sites que acompanharam a ‘barriga’ da GloboNews não fizeram melhor. No máximo, uma tímida explicação de que obtiveram a informação de outro meio de comunicação, como se isso fosse motivo para se passar por cima de um dos princípios básicos do bom jornalismo: checar uma informação antes de publicá-la ou divulgá-la.

Errar faz parte da natureza humana e das organizações humanas. Diante do erro, uma empresa jornalística poderia mostrar respeito ao princípio da confiabilidade por admitir franca e claramente a falha. A divulgação da falsa notícia da queda de um avião em São Paulo poderia ter provocado um estado de comoção e mereceria uma retratação proporcional ao estrago que o erro poderia ter causado. Infelizmente, não houve tal retratação.

O episódio expõe uma tendência do jornalismo nesta era online: o furo a qualquer custo, em prejuízo da exatidão da notícia. Divulga-se primeiro, para se confirmar depois. Um boato pode virar notícia, com resultados imprevisíveis. É uma prática que traz efeitos perversos às empresas de comunicação, que correm o risco de perder um dos seus bens mais preciosos: a confiabilidade.

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Jornalista, Brasília, DF