Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

E o que temos com aquilo?

No mundo atual, as notícias circulam quase, e por vezes, em tempo real. Mesmo que do outro lado do globo de alguma forma real, e/ou simbólica, acabamos envolvidos. Chamou-nos a atenção, especificamente, a desastrosa abordagem de forças armadas israelenses, em águas internacionais, ao navio turco Mavi Marmara, que levava mantimentos à Faixa de Gaza, sitiada por israelenses. Os conflitos entre árabes e israelenses têm um longo histórico e este último episódio contribui com mais uma pincelada vermelha à tela.

O governo iraniano ofereceu escolta a uma embarcação que tenta romper o cerco israelense na mesma região. O governo da Turquia está quase rompido com Israel, como vemos em ‘Turquia se afasta de Israel e apoia o Hamas’ (O Globo, 05/06/2010), graças à ação de que matou nove ativistas num navio turco no mês de maio que, aliás, causou manifestações negativas no mundo inteiro, mais amenas só do grande aliado EUA, que não consegue, nem pode, desagradar o governo sionista, único aliado norte-americano na região. Os mesmos EUA que não apoiaram o acordo que turcos e brasileiros mediaram com o Irã a respeito de seu programa de enriquecimento de urânio.

As relações internacionais têm a complexidade de um jogo de xadrez. Pelos erros dos jogadores, civis pagam com as próprias vidas, pessoas que gostariam apenas de viver em paz. Os palestinos residentes na Faixa de Gaza, que os israelenses mantêm sob um cerco desde 2006, passam por necessidades, inclusive, de artigos básicos. A porta-voz da ONU, Christiane Berthiaume, declarou – Jornal do Brasil, 05/06/2010, ‘Unicef: crianças são as mais afetadas pelo bloqueio a Gaza’ – que em 2009 pelo menos nove crianças morreram por não ter acesso a hospitais e não ter sido dada autorização para saírem.

Militantes indignados arriscam suas próprias vidas, alguns as perdem, para tentar ajudar os palestinos. No navio turco interceptado pelos israelenses havia pessoas de várias nacionalidades, inclusive uma brasileira e celebridades. Uma intervenção militar dessa natureza leva a questionar como as forças armadas israelenses foram capazes de promover uma ação capaz de ceifar vidas de pessoas de outros países fora do seu território nacional e usando como justificativa sua segurança.

O sofrimento e a memória

Poderíamos responder que Israel tem uma crosta de arrogância adquirida em vitoriosas guerras contra os povos árabes. Também que por gozarem da amizade e proteção dos norte-americanos se acham no direito de exterminar seus inimigos. Ou que a facção que tem o poder em Israel, o Likud, não tem a mínima intenção de resolver seu conflito com os palestinos de forma razoável enquanto o Hamas controlar a Faixa de Gaza e que em nome de sua suposta superioridade tratam os árabes palestinos como inferiores. Talvez nenhuma das respostas acima seja desarrazoada.

Enquanto escrevo este texto, ouço uma notícia na qual os israelenses dão sinais de flexibilizar o bloqueio à Faixa de Gaza, bloqueio que mantêm sob a alegação de que se não existisse seria facilitada a entrada de armas para o Hamas e a região poderia ser utilizada até como base para lançamento de mísseis. A flexibilização envolve a permissão da entrada de alimentos sucos e refrigerantes. O Hamas ironiza que a necessidade maior é cimento, pois nem escolas foram construídas depois do bloqueio.

Com a velocidade que temos acesso a tais informações, de alguma forma nos vemos envolvidos com os fatos. Ainda que seja ignorando o sofrimento alheio para levar a vida adiante sem nenhuma culpa. Talvez sem este mecanismo não conseguíssemos viver, considerando que pode existir sofrimento tão grande quanto ou maior que o dos palestinos aqui num lugar bem perto. Mas o fato é que, perto ou longe, ficamos sabendo do que acontece e o acontecido pode se cravar em nossa memória profundamente e fazer parte de nossas preocupações e do nosso ser. Para bem ou para mal, os jogos de futebol têm o mesmo poder e, aliás, é ano de Copa.

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Professor de História, Ponta Grossa, PR