Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A morte de um polemista

Christopher Hitchens era um provocador. Podia-se gostar dele ou odiá-lo, mas não era possível ignorar suas ideias. O jornalista e escritor britânico, que vivia nos EUA desde o início da década de 1980, morreu na semana passada aos 62 anos, vítima de pneumonia por conta de um câncer no esôfago diagnosticado no ano passado.

Hitchens era fã declarado do escritor britânico George Orwell, autor de 1984, e do presidente americano Thomas Jefferson. Ele gostava de escrever sobre os mestres da literatura, mas era mais conhecido por seus artigos e livros com opiniões duras e, na maioria das vezes, controversas, sobre política e religião. Era colunista da revista Vanity Fair desde 1992 e escreveu 16 livros – o mais popular deles, Deus não é grande – como as religiões envenenam tudo, foi lançado em 2007. Na obra, Hitchens defendia a superioridade moral do ateu contra a irracionalidade do religioso.

Além de criticar qualquer tipo de fé religiosa, o escritor passou a fazer, após os ataques terroristas de 2001 nos EUA, ataques contundentes aos “fascistas islâmicos”, defendendo a política externa intervencionistado governo americano– irritava-se, no entanto, quando era chamado de conservador. Mais recentemente, acusava o papa Bento 16 de acobertar escândalos sexuais na Igreja Católica quando era cardeal. Em uma de suas intervenções mais famosas e odiadas, disse que Madre Teresa de Calcutá era uma porta-voz do que havia de mais reacionário na Igreja. Também era crítico ferrenho de Bill e Hillary Clinton e de Henry Kissinger.

Como jornalista, Hitchens foi correspondente no Chipre, Uganda, Sudão – seu trabalho o levou a mais de 60 países. Em 1975, cobriu pela revista britânica New Statement a Revolução dos Cravos em Portugal. Depois de se mudar para os EUA, passou a escrever para o semanário The Nation – onde assinou duras críticas aos presidentes Ronald Reagan e George Bush.

O câncer de Hitchens foi diagnosticado em 2010, logo depois do lançamento do livro de memórias Hitch 22. Em sua coluna na Vanity Fair em junho deste ano, ele escreveu: “Meu principal consolo neste ano de viver morrendo tem sido a presença dos amigos”.

Mais sobre Hitchens

** A Slate, onde Hitchens assinava uma coluna desde 2002, compilou artigos de amigos e colegas de trabalho sobre ele. “Editar Christopher Hitchens era o trabalho mais fácil do jornalismo”, escreveu June Thomas, que editava as colunas do escritor na Slate. Jonathan Karp, publisher da editora Simon & Schuster, listou 10 curiosidades que considerava “admiráveis” em Hitchens, entre elas: “Ele tinha boas ideias no banho. Foi onde chegou ao título para Deus não é grande” e “Ele é o único autor com quem trabalhei que se dirigia a mim como ‘camarada’”.

** Anna Wintour, editora-chefe da Vogue, assinou artigo na Slate relembrando a amizade de muitos anos com Hitchens – ou Hitch, como era chamado pelos amigos. “Não havia nada que Hitch gostasse mais de fazer do que falar – melhor ainda se falar significasse discutir. Hitch não ligava se ele concordava ou não com você; de fato, ele o contrariaria só por fazê-lo”, escreve ela.

** “Christopher Hitchens era espirituoso, encantador, e um encrenqueiro, e para aqueles que o conheciam bem, ele foi um presente, eu ouso dizer, de Deus”, escreveu Graydon Carter, editor- chefe da Vanity Fair.

** “Desde o começo Christopher Hitchens a tinha – a voz, a voz característica que é a marca de um verdadeiro escritor e o ponto básico para um colunista”, afirmou Richard Lingeman, editor sênior da The Nation, onde Hitchens escreveu de 1985 a 2002.

** A New Yorker compilou uma lista de “artigos notáveis” de Hitchens publicados na última década.

** A New Statesman publicou trechos da última entrevista de Hitchens, concedida ao cientista e autor Richard Dawkins e publicada na edição especial de Natal – que tem Dawkins como editor convidado.

** O escritor Ian McEwan, um dos amigos mais próximos de Hitchens, escreveu no New York Times sobre as visitas nos últimos meses. “Não havia nenhum homem mais fácil de se visitar no hospital. Ele não queria flores e uvas, queria conversas e presença. Todos os silêncios eram úteis. Ele gostava de descobrir que você ainda estava ali quando acordava de seus frequentes cochilos induzidos pela morfina. Ele não estava interessado em estar doente. Ele não queria falar sobre isso.”