Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Os benefícios da paráfrase

Há no Museu Dom João VI, no Rio, numerosos exemplos de como se pode aprender pela paráfrase, palavra de origem grega que nos chegou pelo latim para designar interpretação livre de um texto mediante sua reescrita, mudando de verso para prosa, por exemplo, ou impondo algumas variações. Dom João, ao dar bolsas para pintores brasileiros, impôs como condição que eles deveriam copiar quadros famosos nas escolas francesas de pintura onde iam estudar. Podiam assim demonstrar que pelo menos o pincel sabiam usar…

Refazer textos alheios e reescrever os próprios textos são dois recursos didáticos de comprovada eficácia em nossas escolas, infelizmente substituídos muitas vezes por um vale-tudo de efeitos devastadores.

O tema levanta uma questão controversa. Textos de má qualidade proliferam nas redações da mídia em todas as seções, inclusive em algumas assinadas por membros da Academia Brasileira de Letras. As seções de Esportes, lidas impressas ou na internet, irritam o leitor mais bem preparado com tentativas de introduzir neologismos dispensáveis. Antigos jornalistas, que jamais tiveram a oportunidade de serem advertidos em cursos superiores de Comunicação Social para a moderação que se teve ter diante de palavras estrangeiras, não caíram na esparrela dessa invasão inglesa. Ao contrário, fizeram um longo percurso para substituir goal por gol, goal keeper por goleiro, speaker por locutor, referee por juiz ou árbitro, center forward por centroavante, back por beque etc.

Textos referenciais

Pois entre jovens jornalistas grassa uma estranha tentação que os leva a se ajoelharem contritos e submissos diante do altar das homenagens ao inglês, o latim do império dos EUA, e mancham os textos que assinam ou pelos quais são responsáveis com estranhos neologismos. De vez em quando voltam com play off, (que, aliás, em inglês é com hífen: play-off), para designar as etapas final e semifinal de campeonatos de futebol. O erro é duplo: play-off significa desempate e é, portanto, antes de ser um erro de estilo, um tropeço semântico. E o vício se alastra. Nos eventos lê-se que haverá pausa para o coffee break. E o que encontramos por lá? Um cafezinho, bebida referencial, entretanto designada pelo neologismo esquisito. Mas é ainda pior: esses neologismos vêm muitas vezes escritos com sérios erros de inglês!

Se o leitor quiser ver coisas ainda mais horrorosas, tome qualquer cardápio num restaurante e dê uma olhada nas diversas maneiras utilizadas para designar pratos da culinária francesa, italiana, alemã, espanhola etc.

Um bom antídoto para combater esses desvios é levar esses redatores a oficinas de redação e ministrar-lhes dois remédios: 1) uma aula expositiva que lhes sirva de purgante estilístico e os livre dessas verminoses dos textos; 2) exercícios com paráfrases de textos deles mesmos e de textos referenciais de jornalistas brasileiros que escreveram e escrevem bem todos os dias, mas que infelizmente não têm o reconhecimento que fazem por merecer.

***

[Deonísio da Silva é escritor, doutor em Letras pela USP e autor de 34 livros. Os mais recentes são A placenta e o caixão (crônicas), A língua nossa de cada dia (colunas de língua portuguesa) e Lotte & Zweig (romance). É um dos vice-reitores da Universidade Estácio de Sá]