Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Pautado pelos astros

A edição de domingo (15/4) de O Globo, editoria “Rio”, página 21, trás o título que se segue: “Sob a influência de Plutão, Urano e Netuno, cidade vive seu inferno astral”. Abaixo, o subtítulo: “Mapa ajuda a explicar problemas de Niterói desde tragédia do Bumba à onda de crimes”

A matéria é ilustrada por portentoso mapa astral, cuja legenda, de tão categórica, remete desde o Oráculo de Delfos até à mais modernosa tenda de búzios, quiromancia, tarô ou o que mais se proponha a predizer o futuro sem, digamos, um certo rigor científico:

“O MAPA ASTRAL de Niterói: mau agouro pelo menos até o fim de 2012”.

A caixa alta, com toda certeza, vem no sentido de alertar e convencer os mais céticos. O “pelo menos”, então, traz um tom de advertência de meter medo, ao mesmo tempo em que acena com infinitas e promissoras possibilidades para, por exemplo, o mercado financeiro. O sonho de se tornar um Eike Batista fica mais próximo. Ou, bem ao gosto e em obediência às cláusulas pétreas das nossas culpas ibérico-católicas, essa ferramenta jornalística-astrológica só deve ser utilizada para catástrofes, pestes, carestias e deslizamentos de morros.

Passou batido

Pena que, em se tratando de jornalismo, mormente do porte daquele de praxe praticado pelo Globo, tudo isso não passa de infame e barato charlatanismo que, por inacreditáveis razões, foi parar em suas nobres páginas dominicais.

A alusão ao Bumba, convenhamos, é de flagrante desrespeito às vítimas daquela tragédia, além de configurar um atropelo à ética jornalística sem precedentes nos últimos tempos.

Rescaldo do desastre: a abobrinha certamente foi editada no pescoção de sexta-feira e passou em branco pelas escalas hierárquicas da Rua Irineu Marinho, em merecida folga. Vai sobrar para alguém acima da horoscópica e abduzida repórter. Mas isso passa. O mico, apesar de vexaminoso, será absorvido. Resta o pior: refletir sobre que tipo de profissionais está chegando ao mercado. Pressupondo-se tenham diploma, talvez só reste chorar.

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[José Antonio Palhano é médico e jornalista; @zepalhano]