Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Obra completa

Há cerca de duas décadas elas se chamavam assessoria de imprensa. Divulgavam produtos, faziam entrevistas coletivas, serviços de clipping e press release. Participar de uma licitação para a área de comunicação do poder público era algo com que jamais sonhavam. Oferecer consultoria estratégica para corporações mundiais também estava tão longe do escopo quanto pensar em falar com colaboradores, comunidades e investidores ou ter acesso direto e ser valorizado pelos principais executivos dos clientes. Pois o que parecia impossível aconteceu. Assessoria de imprensa tornou-se apenas o nome de um serviço oferecido hoje pelas agências de comunicação brasileiras, que ganharam relevância no cotidiano das grandes organizações, exibem portfólios cada vez mais amplos e sofisticados e formam um mercado que já é o terceiro em faturamento no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e do Reino Unido.

De acordo com os dados da Associação Brasileira das Agências de Comunicação (Abracom) há cerca de 1.100 agências de comunicação em atuação no Brasil, cuja receita no ano passado ficou ao redor de R$ 2 bilhões. Juntas, elas empregam 14 mil pessoas, entre jornalistas, profissionais de relações públicas e de diversas outras áreas do conhecimento. Metade desse contingente de empresas foi identificada e contatada entre dezembro de 2011 e fevereiro deste ano pela Mega Brasil para uma pesquisa destinada a traçar o perfil das agências no país – um estudo divulgado todos os anos pelo Anuário Brasileiro de Comunicação Corporativa.

O retrato de 2012, feito a partir da análise das respostas das 357 agências que participaram da pesquisa, mostra que a maioria (76,2%) tem faturamento de até R$ 2,4 milhões, até 20 colaboradores (73,2%), mais de 50 clientes (61,9%), foi fundada na última década (52,5%) e está na região Sudeste (80%), especificamente em São Paulo (64,7%).

“Não existe setor que tenha crescido tanto”

Como apenas 106 empresas informaram seu faturamento em 2011, o volume global ficou em R$ 737,2 milhões, total bem menor do que o estimado para o setor. As informações prestadas sobre as receitas de 2010 e de 2011 por um grupo de 101 empresas, no entanto, permitiram identificar um crescimento de faturamento de 15,5%, passando para R$ 608, 2 milhões em 2011. “Trata-se um setor muito pulverizado, mas que vem crescendo a uma média anual de 20% nos últimos cinco anos”, observa Ciro Dias Reis, presidente da Abracom, criada há dez anos com apenas 56 agências associadas e que hoje congrega 356, donas de 80% do faturamento do setor.

Há quatro anos no comando da Abracom, Reis acredita que as agências acompanharam a evolução da economia brasileira. “A comunicação ganhou relevância e as agências souberam acompanhar esse movimento, caminhando na velocidade de seus clientes e, hoje, oferecem mais serviços e mais qualidade ao cliente.”

Segundo ele, o que se faz no Brasil em comunicação não fica nada a dever às práticas do mercado internacional. De fato, na lista publicada anualmente pelo World Report do International Communications Consultancy Organisation (ICCO) estão todos os serviços encontrados nos sites das grandes agências brasileiras: assessoria de imprensa, análises e pesquisas, gestão de crise, comunicação digital e mídias sociais, comunicação interna e internacional, relações governamentais, treinamentos, consultoria estratégica, entre outros.

Na edição de 2011 do relatório, o Brasil ficou no topo dos mercados que mais cresceram em 2010 sobre 2009, com um índice de 23%, à frente da Rússia (17%) e Eslovênia (12%). A estimativa para o ano passado, a ser confirmada pela edição de 2012 do estudo, que será divulgado até o final de maio, era de que o Brasil continuaria no topo, com um novo crescimento, de 20%, taxa também esperada de outros membros do Bric, como Índia e Rússia. “Não existe setor no país que tenha crescido tanto como este”, diz o diretor da Mega Brasil, Eduardo Ribeiro.

Frutos começam a aparecer

Segundo Reis, também não há empresa relevante que não tenha uma agência contratada. “Esse apoio externo é fundamental. O cliente entende que a agência tem inteligência e gabarito; que é importante porque tem uma visão que não se restringe àquela atividade; que oferece suporte no dia a dia e oxigena a corporação com novas ideias e novos olhares que encontra em outros setores.”

Esse upgrade das agências dentro das corporações tem suas razões. Algumas estão associadas ao avanço do Brasil no cenário internacional e à aquisição de know how com os movimentos de fusões e aquisições entre as agências; outras, a fenômenos mundiais como o avanço da comunicação móvel e das redes sociais, que impulsionaram vertiginosamente o mercado, mas há também conquistas que são resultado da luta do setor, como a que culminou com a abertura das licitações das áreas de comunicação do setor público para o segmento. “Conseguimos provar que é possível e vantajoso promover licitações para o nosso segmento”, diz Ribeiro, referindo-se aos esforços da Abracom nesse sentido.

Antes, os órgãos públicos contratavam as agências de propaganda que terceirizavam o serviço de comunicação. Isso mudou e os frutos já começam a aparecer, diz Reis, citando entre os demandantes instituições como o Banco do Brasil e Ministério do Turismo e da Ciência e Tecnologia. “O setor público é uma das grandes oportunidades para o setor.”

Importância da comunicação

Apesar das conquistas, desempenho e das boas perspectivas, as agências de comunicação ainda têm um longo caminho a percorrer. “As corporações sabem da importância de ter um planejamento estratégico, mas ainda não assimilaram completamente a cultura da comunicação”, diz o professor Luiz Alberto Farias, da Faculdade Cásper Líbero e da Universidade de São Paulo e presidente da Associação Brasileira de Relações Públicas. “A maioria das empresas ainda acha que investir em imagem é algo cosmético, que não gera resultado no final do mês”, acrescenta Jaime Troiano, presidente do grupo Troiano, que atua há 20 anos na área de branding. Segundo ele, muitas empresas precisam acordar para o fato de que marcas não são tapumes, mas vitrines.

“O grau de importância da comunicação dentro das empresas ainda está em processo de amadurecimento”, emenda Gislaine Rossetti, presidente do Comitê de Comunicação Corporativa da Agência Brasileira de Anunciantes (ABA). Troiano diz que estudos realizados com 230 corporações há quatro anos mostram que investir em imagem ou branding é algo muito relacionado com o valor da empresa no mercado. “As agências usam metodologias de avaliação, mas não têm ferramentas de mensuração de resultados”, rebate Farias, da Cásper Líbero.

***

Trabalho envolve público interno, clientes e fornecedores

Historicamente dirigida ao mercado de consumo, para estimular as vendas de produtos, a comunicação começou a ajustar o foco para o aspecto institucional da organização a partir dos anos 90, quando o Brasil entrou no processo de globalização e a concorrência passou a ser mundial. “Isso não significa que o marketing perdeu poder, mas que cedeu espaço para a comunicação corporativa”, afirma Isolda Cremonim, professora do curso de pós-graduação em Comunicação Corporativa criado pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) há cerca de quatro anos. Segundo ela, imagem e reputação da empresa são agora trabalhadas junto com a imagem e a reputação do produto. “Quem gera o lucro é o marketing, mas quando a comunicação institucional ajuda, lucro e competitividade são maiores”, observa.

Ter uma boa imagem hoje significa ter um planejamento, verba e pessoas especializadas para gerenciar esse patrimônio. É aí que entram os serviços das agências. Na construção da imagem, público interno conta tanto quanto clientes, acionistas, fornecedores, comunidades tradicionais e cada um dos meios tem de desempenhar sua função de forma integrada. “Esse é o serviço mais difícil inovador de uma agência: fazer um plano integrado de comunicação, com sinergia entre as ações como as de propaganda, eventos, relacionamento com a imprensa”, afirma Jaime Troiano, presidente do grupo Troiano.

Na avaliação do especialista em branding, o mercado até pouco tempo tinha muitos solistas: “Faltavam maestros capazes de fazer as ferramentas funcionarem em harmonia”, diz ele. “Esse é o grande desafio e só funciona quando há um compromisso de fato do principal executivo da corporação, que determina que tudo seja feito de maneira integrada”, diz.

Release e coletiva

Alinhar todos os elos da comunicação pode parecer mais fácil para uma agência de grande porte, cujo portfólio inclui todos os serviços. Mas nem sempre as empresas precisam do cardápio completo, o que tem estimulado o desenvolvimento de nichos e a criação de agências especializadas em eventos, cultura, esporte, entre outras áreas. De acordo com o estudo da International Communications Consultancy Organisation (ICCO) em 2011, a gestão de eventos, por exemplo, oferecida por várias agências, deixou de ser demandadas por clientes, que preferiram contratar empresas especializadas para a tarefa.

Embora igualmente específicas, as atividades de mídia digital e monitoramento de redes sociais por enquanto estão sob a batuta das grandes agências. A explicação é simples: segundo a Abracom, tais serviços já representam 11% do faturamento médio das agências e sua tendência é de continuar a crescer, enquanto atividades tradicionais como a assessoria de imprensa, que representam cerca de um terço do movimento, apresentam tendência de declínio.

“Hoje, release e coletiva são tão relevantes quanto o que se vê nas mídias sociais, que podem influenciar as ações da imprensa tradicional”, observa Ciro Reis, presidente da Abracom.

***

Comunicação ganha múltiplas frentes

João Rodarte, da CDN: “Pode demorar um pouco, mas a tendência para o futuro é de uniformizar imagem e produto.” Esqueçam os assessores de imprensa que redigiam seus releases numa Remington e, de terno e gravata, tratavam de “vender” a pauta aos seus colegas de redação. Não que o release seja uma ferramenta ultrapassada. Mas é que, ao lado dele, inúmeras outras surgiram para ajudar a lapidar imagens. Mais: o profissional que ontem fazia a ponte entre a imprensa e o cliente é hoje imbuído de expertises com as quais sequer sonhava três décadas atrás.

Rio de Janeiro, 2007: a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) se prepara para a inauguração da usina de Itaguaí, em meio a um grande desafio de aceitação popular. Entra em cena a FSB Comunicações, uma das cinco grandes do mercado, com faturamento de R$ 105 milhões em 2011 e cerca de 500 profissionais em todo o país.

Mais do que divulgar o fato, sua tarefa consiste em “diminuir resistências e criar condições favoráveis para a instalação das usinas, atribuindo transparência à empresa” durante as consultas populares. Resultado: a CSN obtém licença prévia para tocar as fábricas. Trafegar por campos minados da comunicação, como os colocados pelo exemplo da siderúrgica, lançando mão de expertises cada vez mais exclusivas, hoje faz parte da rotina das agências. Não se trata apenas de divulgar produtos ou serviços triviais; mas, sim, de gerenciar crises, conduzir pesquisas de envergadura, montar eventos de peso e – nova e árdua tarefa – retocar imagens nas redes sociais, à velocidade da internet.

O profissional ser um gestor

Cristina Moretti, diretora presidente da In Press Porter Novelli, uma das grandes do setor, que registrou crescimento 22,7% maior, ano passado, e projeta crescer 200% até 2015, lembra do surgimento e da profissionalização das assessorias de imprensa no início dos anos 1980. “Naquela época, fazíamos basicamente releases e alguns eventos para acompanhar os lançamentos.” “Naquele tempo”, endossa Gisele Lorenzetti, diretora-executiva da LVBA Comunicação e Propaganda – que há 36 anos incorporou serviços de relações públicas –, “as assessorias de imprensa eram fábricas de releases, e a demanda maior era por essa atividade.”

As privatizações e a abertura do mercado, a partir dos anos 90, representaram, segundo Cristina, uma nova etapa: “As companhias estrangeiras entraram no país com uma cultura de comunicação integrada, de public relations, e nós tivemos de nos reinventar.” “Ao entender que o relacionamento com a imprensa não era solução para todos os problemas, o mercado se tornou então mais permeável a outras atividades. Muitas vezes os clientes tinham de organizar sua comunicação interna antes de se abrir para a externa”, nota a diretora da LVBA. “Assim, suas demandas passaram a girar em torno de um planejamento estratégico, a começar pelas auditorias de opinião para diagnosticar a percepção que cada público tinha deles.” Com isso, as agências precisaram estruturar novos serviços – como a CDNat, núcleo de análise e pesquisa e uma das áreas mais rentáveis da CDN Comunicação Corporativa, que segundo seu presidente, João Rodarte, registrou no ano passado um faturamento 12% maior em relação ao ano anterior e investiu R$ 645 mil em equipamentos e infraestrutura nos seus escritórios de Brasília e São Paulo.

As demandas ampliadas e a diversidade de frentes da comunicação trouxeram mudanças estruturais, avalia Gabriela Kirschner diretora da Imagem Corporativa, uma das gigantes do setor que, nos últimos três anos, vem registrando crescimento do faturamento superior a 20%. “Hoje, lidamos com inteligência competitiva”, resume ela, explicando que é tendência do mercado se estruturar para trabalhar com demandas como relacionamento com a comunidade, public affair, treinamento de porta-vozes ou comunicação digital. “As agências vêm buscando aprimorar sua capacidade de gerir a empresa globalmente.” Para tanto, diz ela, “não basta ao profissional de comunicação saber escrever bem e ter bom relacionamento com as redações. Ele precisa ser um gestor”.

Dedicação e planejamento de qualidade

Com isso concorda Flávio Castro, executivo da FSB: “Hoje, o profissional fala com o top management da empresa, que precisa lidar com uma sociedade organizada, que faz exigências; o Ministério Público, ONGs e o Código de Defesa do Consumidor”, analisa. Para o futuro, a trama da comunicação só tende a ser mais complexa. “O mundo está caminhando irremediavelmente para o digital”, aponta Mônica Lourenci, diretora da Andreoli MSL Brasil, que além de jornalistas e profissionais de marketing e RP, incorpora ao seu time experts em Ciências Humanas. “Pode demorar um pouco, mas a tendência para o futuro é de uniformizar imagem e produto, o que resultará em um leque de serviços de comunicação mais complexos”, avalia Rodarte, da CDN. “As agências terão de investir cada vez mais em capacitação da mão de obra: programas internos, cursos por meritocracia e intercâmbios no exterior”, prevê Gabriela Kirschner. “A independência e a força da mídia continuarão alavancando negócios, mas será preciso ter argumentos e estratégia para estabelecer diálogo e, ainda assim, a internet não permitirá total controle”, projeta Marcos Trindade, sócio da FSB.

Maristela Mafei, do Grupo Máquina – há 17 anos no mercado – aponta outro caminho para crescer: os vídeos para tablet e smartphones. “Através do formato storytelling, no qual se pode apresentar toda a agenda do cliente aos seus stakeholders, é possível viabilizar o impacto e a aderência da mensagem junto aos públicos de interesse”, explica. Para tanto, a empresa não poupa investimentos na instalação de um estúdio de rádio e TV onde se produzem vídeos institucionais e outros dirigidos às redes sociais, bem como uma unidade de gestão dessas redes e uma agência de branding e webmarketing.

Com faturamento de R$ 5 milhões em 2011 e a expectativa de crescer 20% por conta da expansão para novas áreas – responsabilidade social, cultura e esportes –, a Fundamento Comunicação Corporativa corre numa raia paralela: o nicho das chamadas agências butique, um segmento de significativa projeção para o futuro. “Grandes clientes procuram grandes agências”, explica Marta Dourado, sócia-diretora. “O trabalho qualificado vai para as estruturas menores, onde há um nível de dedicação maior e um planejamento de qualidade.” A tendência, que já se consolidou na Europa, “virá para o Brasil”, segundo a executiva. “É uma questão de tempo.”

***

[Marlene Jaggi, do Valor Econômico]