Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Demóstenes Torres e Gay Talese

Gay Talese, um dos papas do jornalismo cultural norte-americano, esteve, há bem pouco tempo, em São Paulo, onde proferiu concorridas conferências na Editora Abril e na Folha de S.Paulo. Numa delas ele se referiu a uma reportagem que fez com o filho do então capo da máfia, Joe Bonano. O filho se chamava Bill Bonano e Talese procurou, por todos os meios, se aproximar dele. Chegou a convidar – e receber – a família de Bill Bonano num jantar preparado por sua mulher e onde os filhos de ambos os casais confraternizaram. Assim, Talese conquistou a confiança do gângster, o que lhe possibilitou escrever sobre ele de um ponto de vista que nenhum jornalista, até então, havia sequer tentado.

“…Não pré-julgo gângsteres, assassinos, pornógrafos, terroristas, eu não estou nem aí, eu quero saber sobre o terrorismo, eu adoraria passar um tempo com os terroristas” (Gay Talese).

Se eu pudesse, e se o meu dinheiro desse, gostaria de me aproximar do, ainda, senador Demóstenes Torres não para condená-lo – já são em quantidade mais que suficiente os que assim procedem –, mas para, convivendo com ele regularmente, saber como ficou a sua vida depois da queda.

Uma reportagem, quase “à la Talese”

É bom lembrar que, surgidas as primeiras denúncias contra o senador goiano, 44 de seus (80) pares, mais de metade dos parlamentares, portanto, fizeram apartes espontâneos em apoio ao denunciado. Eram senadores de todos os partidos com assento naquela Casa Legislativa. Hoje, duvido que o mais bem educado deles mais que o cumprimente de maneira manifestamente fria.

Mas isto é o de menos. Em sua atuação durante todos estes anos na vida pública, ele vendeu uma imagem que a revista Veja chamou de “mosqueteiro da ética” angariando, com esta postura, certamente muita simpatia, votos e, principalmente, respeito, como ficou claro no episódio dos 44 elogiadores. Só imagino como reagiram seus vizinhos, se bem que ricos não tenham muitos, colegas de parquet, além de conhecidos, parentes, amigos, se tiver sobrado algum… Aliás, devo pedir perdão pela minha ignorância: não sei se tem filhos, mas imagino, se os tiver, o que devem estar passando.

Neste momento, estão votando a cassação do seu mandato por falta de decoro. Creio que será cassado. Se não for, no entanto, não sei se restará nele algo mais do que um cadáver político. Moralmente, nem se fala!

Sou pretensioso, nunca neguei, e tenho certeza de que faria uma bela reportagem, quase “à la Talese”, sobre esta triste figura da nossa República.

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[Joca Oeiras é jornalista]