Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O dia em que a hegemonia mudará de lado

Improbidade administrativa, “caixa-dois”, desvio de recursos do contribuinte, superfaturamento em obras públicas, licitações fraudulentas, contratos públicos com empresas fantasmas, uso de “laranjas” para interesses diversos, pagamento de propinas, aparelhamento e arrendamento de estatais e ministérios por partidos políticos, “dólares em cuecas”, notas fiscais “frias”, fraudes em operações de crédito realizadas por instituições públicas, “mensalão”, “privataria tucana”, CPI do Cachoeira… ufa! Quase que diariamente as páginas das editorias de política e economia dos veículos jornalísticos em todo o país são dominadas e os leitores bombardeados por notícias que englobam o amplo repertório de corrupção que se alastra rapidamente pelas mais diversas esferas do poder público brasileiro, seja este municipal, estadual ou federal, tal como um vírus perigoso, mortal e em avançado estado de metástase.

A corrupção alcançou níveis mais do que alarmantes e estarrecedores; chegou, por assim dizer, a uma vertente profissional. Suas ramificações e tentáculos de fazer inveja a qualquer polvo que se preze tomaram de assalto o Estado brasileiro, disseminando-se, sorrateiramente, pela quase totalidade das suas instituições e repartições públicas, grassando, a passos largos, pelas searas legislativas, judiciárias e executivas brasileiras. Os escândalos jorram em grande volume e proporção; as negociatas e corruptelas “embaixo dos panos” ditam as regras nas relações entre aqueles que detêm o poder nas mãos – leia-se o “osso na boca”.

Gargalos históricos

Na mesma toada, e por consequência diretamente proporcional, o nobre exercício da ética, principalmente na política, vem se esvaindo ao longo do tempo, com uma notável aceleração de sua decadência nos últimos anos. Hoje, diante do contexto anunciado, pode-se concluir que são poucas e louváveis exceções os parlamentares e autoridades públicas que levam a cabo, em toda a sua plenitude – que é a única forma de seu exercício –, a prática desse conceito tão importante e caro para o desenvolvimento do homem enquanto ser que vive em sociedade e coletivamente. Pelo contrário, a regra, que deveria ser a exceção, baseia-se no jogo escuso de troca de favores entre os homens do poder, que se importam tão somente com o próprio umbigo – entenda-se conta bancária. Reitero: com raras e bravas exceções.

Com todo esse quadro de corrupção pintado, os que mais sofrem com esse cipoal de corrupção são os honestos trabalhadores brasileiros, a esmagadora maioria do povo. Porque uma coisa é certa: quando se toma de assalto o contribuinte, quando se superfatura obras públicas, quando se frauda licitações, quando se opera o “caixa-dois”, quando milhares de dólares inexplicáveis vão parar na cueca de um assessor parlamentar, quando centenas de milhões de reais oriundos de privatizações criminosas, misteriosamente, vão parar em paraísos fiscais d’além mar, está se tomando o meu, o seu, o dinheiro de todos nós.

A usurpação das nossas contribuições aos erários municipais, estaduais e federal abre uma lacuna incalculável, uma vez que estes tributos pagos por nós poderiam estar sendo investidos na educação (10% do PIB para a educação já!), na saúde, na habitação, no saneamento básico, no transporte público, nas obras de infraestrutura e mobilidade urbana, enfim, na reparação dos gargalos históricos – principalmente para as camadas economicamente mais vulneráveis da população – que impedem o Brasil de ser um país mais justo, menos desigual, com as mesmas oportunidades para todos.

Espinhosa, árdua

No entanto, todo esse lamaçal de corrupção, principalmente no meio parlamentar, não pode macular a crença na política enquanto ferramenta com poder de transformar realidades, mudar paradigmas, subverter valores. É isso o que os corruptos querem: nossa descrença na arte da política, nossa alienação; desejam, na verdade, que os deixemos em paz, livres e desimpedidos para, sozinhos, se lambuzarem no seu mar de lama e levarem adiante seus planos de poder, riqueza e status!

É justamente por isso que precisamos, ainda e cada vez mais, demarcar nossos espaços de luta e resistência, sejam eles movimentos organizados de bairros, sociais, sindicais não pelegos, ONGs e os pouquíssimos partidos políticos que ainda militam verdadeiramente por valores éticos e coletivos. Se não ocuparmos os espaços políticos, outros, com interesses inversamente contrários aos nossos, os ocuparão. A luta é espinhosa, árdua. Mas quem disse que seria fácil? Nunca foi fácil! Quando o povo se organizar e tomar consciência de seu poder de mobilização, a hegemonia, enfim, mudará de lado. A propósito, as eleições estão chegando. Pensemos nisso!

***

[Artur de Freitas Pires é jornalista, Fortaleza, CE]