Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O que fez de Demóstenes um leproso social

Se desse para mensurar os graus de corrupção de cada político, que ninguém tenha dúvidas: Paulo Maluf, só para citar o mais icônico deles, teria um grau muito mais elevado neste imaginário corruptômetro do que o ex-senador Demóstenes Torres. No entanto, o apoio do deputado Paulo Maluf, mesmo figurando na lista de procurados da Interpol, é, como todos sabemos, avidamente disputado por partidos políticos de todos os matizes, enquanto do senador cassado, até o DEM, sua antiga agremiação partidária, quer – a maior possível – distância.

Em artigo intitulado “A cassação do ‘paladino da ética’”, postado na edição 704 do Observatório da Imprensa, o jornalista e psicólogo Marlos Mello afirma que “de maneira clara se pôde notar o mal-estar estampado na cara dos parlamentares”. Em outro comentário, não me recordo onde, li que o clima no dia da sua cassação era “de velório”.

“Fui a Portugal antes do terremoto que o vazamento criminoso de provas ilegais e áudios montados provocou em minha vida, do tsunami que a publicação das transcrições em pílulas ocasionou na carreira construída com tanto esforço e das chamas ateadas por quem amputou um mandato popular sem sequer dar chance à ampla defesa”, afirma Demóstenes Torres na resenha do livro A Ira de Deus que publicouno jornal Opção, de Goiânia, com o título “Quando o mal vem do mar”. Marlos Mello, no artigo citado, demonstra concordar com Demóstenes quando afirma: “A imprensa comprometida com o grande esquema de corrupção não ficou por baixo. Percebendo que não haveria mais jeito de salvar o senador cúmplice, o jogou aos ‘leões’. Estava de volta à velha tática do salve-se quem puder. Por isso compreendemos Demóstenes quando ele diz que foi vítima do ‘massacre’ da imprensa. Mas da imprensa que ele mesmo ajudou a legitimar e, principalmente, que o ajudou a chegar ao poder.”

Alvo de piadas

É certo que os senadores que votaram pela cassação o fizeram constrangidos, mas não concordo com a ideia segundo a qual, uma vez desmascarado, mesmo assim Demóstenes poderia – como se nada tivesse acontecido – manter o mandato parlamentar ao ser poupado por seus pares. Mais que isso, constrangidos ou não, os senadores tinham que defenestrá-lo do mandato (e, não tenho dúvidas, os 19 que votaram contra a cassação não agiram com um mínimo de lucidez e responsabilidade).

A tão enfática quanto patética defesa contra a cassação do seu mandato, bem como a muito bem escrita resenha do livro A Ira de Deus, de conteúdo, evidentemente, emblemático, não são – assim como aquele artigo que o então senador postou em seu blog fazendo comentários sobre a economia como se nada tivesse acontecido, em 7 de abril último, logo após estourarem as primeiras denúncias envolvendo-o com Carlinhos Cachoeira – mais do que tentativas de convencer-nos, e a si mesmo, que ainda está vivo! Quem, como eu, preza a vida mais do que qualquer outra coisa, deve louvar estas atitudes do hoje procurador de Justiça do estado de Goiás. Temo, porém, que se trate, apenas, de manifestações agônicas.

Uma reportagem bastante ilustrativa do que eu digo foi publicada no Globo sob o título “No MP, Demóstenes Torres desperta constrangimento”. Diz, a certa altura, a matéria: “O constrangimento é tanto que promotores relatam ser alvo de piadas de réus em audiências na Justiça pelo fato de o MP acolher o senador cassado por colocar o mandato a serviço do bicheiro Carlinhos Cachoeira.”

O tempo conspira contra

Para finalizar, reporto-me ao artigo do veterano escritor e jornalista Carlos Heitor Cony, que tem por título “Esfola! Mata!”, publicado na Folha de S.Paulo (17/7) e também reproduzido na edição 704 do OI. É que discordo do articulista: para mim, a família do ex-parlamentar é parte integrante do seu problema e não da solução, por mais solidária que procure e, até, consiga ser com ele. O tempo conspira contra Demóstenes Torres.

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[Joca Oeiras é jornalista]