Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Hillsborough

Em 15 de abril de 1989, a semifinal da FA Cup foi realizada no estádio Hillsborough, em Sheffield (Inglaterra). O Liverpool levou 50 mil de seus torcedores ao estádio para a partida contra o Nottingham Forest. E aquele seria o pior dia na história do futebol inglês. Tumultos causados pela superlotação da área reservada aos torcedores do Liverpool resultaram na morte de 96 pessoas – homens, mulheres e crianças. Centenas de feridos e milhares de torcedores saíram traumatizados. E foram necessários 23 anos para que a verdade completa sobre o que aconteceu fosse revelada.

Na semana passada, uma comissão independente presidida por James Jones, bispo anglicano de Liverpool, publicou relatório revelando pela primeira vez a extensão do desastre, o acobertamento do acontecido pelas autoridades e o sofrimento das famílias das vítimas, acusadas pela polícia de causarem as próprias mortes. O relatório descreve a reação caótica e incompetente da polícia e do serviço de ambulâncias, e o acobertamento perpetuado e sustentado pela polícia – até que o relatório revelasse, em todo o seu horror, o acontecido por meio da análise de milhares de documentos até agora sigilosos.

Os anos 80 foram caracterizados pela violência nos estádios de futebol. Ataques de torcedores do Liverpool causaram a morte de torcedores da Juventus em Bruxelas. A então premiê Margaret Thatcher tinha dívidas com a polícia devido às ações de policiais contra a greve dos mineiros.

Vítimas de um acobertamento

Mas o relatório desacredita completamente a versão do incidente oferecida pela polícia e pelo jornal The Sun que, em artigo sob o título “A verdade”, afirmou que os torcedores do Liverpool haviam agredido e urinado nos policiais que estavam tentando salvar os feridos, teriam roubado objetos dos mortos e estavam bêbados. O novo relatório indica que todas essas alegações sobre o comportamento desses torcedores no transcorrer da tragédia eram falsas.

O relatório constatou que 116 dos 164 relatórios policiais sobre o incidente foram adulterados. Demonstrou que não havia provas de violência ou embriaguez de parte dos torcedores do Liverpool. Não há indícios de que tenham roubado objetos dos feridos ou mortos. Na verdade, esses torcedores se esforçaram para remover mortos e feridos com macas improvisadas e novas provas sugerem que 41 das 96 vítimas fatais poderiam ter sido salvas.

Os torcedores do Liverpool foram vítimas de um acobertamento. Mais ou menos como a polícia britânica reagiu quando da morte de Jean Charles de Menezes, com policiais agindo para se protegerem das consequências de suas ações.

O premiê pediu desculpas. As famílias das vítimas de Hillsborough querem processos criminais contra os responsáveis.

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[Kenneth Maxwell é colunista da Folha de S.Paulo]