Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Estádio não é arena

Estou na marca do pênalti chutando em meu próprio gol, perco se marcar ou não, aliás, já perdi, precioso espaço e tempo. Pois, como introduzir o autor deste artigo, Lóris Baena, em poucas linhas? Um chute, 15 minutos de um jogo, meio tempo, um campeonato inteiro, apenas uma Copa do Mundo não seriam suficientes.

Lóris Baena nasceu em 11 de março de 1924 e começou no jornalismo esportivo em meados de 1940. Lóris é sem dúvida o mais longevo jornalista esportivo em atividade no país. Com 88 anos de idade, todos os dias pega o metrô em Copacabana, salta (!) na Estação Cinelândia e caminha até a ABI, onde é membro do conselho fiscal; alguns dias é na Estação Carioca, para ir a Acerj – Associação de Cronistas Esportivos do Rio de Janeiro, onde também é membro do conselho fiscal e fundador, assim como da Abrace – Associação Brasileira de Cronistas Esportivos.

Não bastasse isso tudo, ele nasceu em Belém do Pará, onde a primeira bola de foot-ball teria rolado em solo brasileiro. Quem afirmar que foi em Pelotas, no Rio Grande do Sul, ou na várzea paulistana onde hoje é a Estação da Sé, vai se surpreender quando ler A Verdadeira História do Futebol Brasileiro, de autoria de Lóris Baena, prefaciada por autores do naipe de Barbosa Lima Sobrinho, Luiz Mendes, Oldemário Toughinhó, Canor Simões Coelho, só para citar alguns, me perdoem os demais. Da mesma forma, tomaria muitas linhas para citar seus prêmios recebidos como jornalista esportivo; dois, entretanto, pelo título, alcançarão até mesmo quem não é do ramo: a Bola de Ouro e o troféu Mané Garrincha. Para encerrar este retrospecto, vamos ao começo de sua carreira, que é tão significativa quanto tudo o que ele já fez e continua fazendo:

Lóris Baena é hoje o único jornalista esportivo vivo que entrevistou Charles Miller, considerado o pai do futebol no Brasil. Contou-me que ao entrevistá-lo, em 1947, Charles Miller confessou ao jovem Lóris à sua frente que todos lhe procuravam para saber por que ele havia parado de jogar futebol e se não sentia vontade de pisar num gramado. Lóris teria sido o único que queria saber como tudo realmente começara e enchera-lhe de perguntas sobre os primórdios do futebol no Brasil. E ouviu do pai do futebol a sugestão de se tornar um historiador, pelo seu desejo nato de contar uma história.

Lóris Baena me atendeu na ABI para uma entrevista sobre o jornalismo esportivo no Brasil, no momento em que se ouve de colegas que acabaram de “sentar à janela” que “jornalismo esportivo” é 100% entretenimento; quando colegas resumem a opinião de “todos os torcedores” numa só frase, como se de fato pudessem sintetizar tamanha fonte de opinião; quando talvez tenhamos alcançado o pico da complexidade da indústria do futebol (falando somente deste esporte), sem termos resolvidos problemas crônicos de nossa crônica esportiva, quem dirá do próprio futebol, sobre esta pauta uma das respostas de Lóris Baena resume a figura humana e o profissional, autor do texto que você vai ler a seguir: “O jornalista esportivo deve deixar em casa sua paixão clubística e seus interesses pessoais, ir para o estádio apenas com a roupa do corpo e a vontade de contar o que vê e ouve, contar a verdadeira história daquele jogo. Porque cada jogo de futebol é uma história à parte”.

Não seria assim para qualquer forma de jornalismo? Mas vamos à violência, isto é, ao texto de Lóris Baena Cunha. (Luís Peazê)

***

Nestes últimos trinta anos a violência nos campos de futebol vem crescendo assustadoramente, não somente no Brasil, mas em várias outras partes do mundo. Quem são os culpados? As autoridades responsáveis pelas administrações dos estádios, do policiamento civil e militar; ou as leis brandas que ainda vigoram em nosso país?

Para coibir esse terror que vem atormentando a maioria dos torcedores e adeptos do futebol, é imperioso que se execute as leis pertinentes às esferas civis e criminais para que as atrocidades cometidas por vândalos acabem, e eles não permaneçam protegidos na sombra subjetiva de supostas ações coletivas de difícil penalização criminal, pior ainda, escudados pelos clubes que deixam desenvolver essas tais “torcidas organizadas”, um cancro que alguns diretores das agremiações poderosas e populares deixaram prosperar através dos anos.

Para piorar a situação, certos locutores que irradiam jogos usam termos de guerra, como matador, bomba, foguete, explosão, tanque e outros termos similares. Um dia fui à casa de um amigo que se interessa por futebol, jogavam Flamengo e Botafogo, e ele pediu a sua esposa para ligar o rádio com o jogo já em andamento. Ao ligar o aparelho, a sua esposa ouviu a seguinte narração: “A barreira esta montada por dez homens; quem vai bater é o matador do Botafogo; tomou distância e lançou uma bomba tão violenta que o foguete pegou em cheio na cabeça do zagueiro Muralha explodindo na trave; a situação é preocupante porque o zagueiro está desacordado”.

A senhora meio espantada perguntou a um seu sobrinho: “Meu filho, isso é guerra ou futebol?”

Acepções opostas

Mais absurdo ainda é não sabermos de quem partiu a triste ideia de colocar nos estádios brasileiros que estão prestes a serem inaugurados e reinaugurados para a próxima Copa do Mundo a denominação de “Arena”. Por que esse absurdo? Por que trocar o nome de estádio para o de Arena, se esse termo nada tem a ver com o futebol?

Somente se for para criar mais violência ainda, pois arena é local de brigas, combates,
badernas, discussões, touradas, lugar de gladiadores para se debaterem com leões etc.

Em qualquer enciclopédia da língua portuguesa o consulente encontrará o significado de “arena”. A Delta-Larouse, diz: “Espaço circular coberto de areia nos centros dos anfiteatros romanos, onde se realizavam os combates dos gladiadores; local destinado a combates de galos, o mesmo que rinhas”. O dicionário Novo Aurélio, cita: “Arena – área central coberta de areia nos antigos circos romanos onde combatiam os gladiadores e as
feras; circo anfiteatro; terreno circular fechado para as corridas de touros e outros espetáculos semelhantes; estrado alto para as lutas de boxe; locais de combates e discussões”.

Portanto, nenhuma parecença existe entre as duas denominações: “futebol” é um termo esportivo, terno e suave; “arena” é indicação para atos cruéis e ações semelhantes.

Termo depreciativo

Há alguns meses, numa palestra que fiz, depois de citar o significado de arena, uma senhora presente ao ato levantou-se, dizendo-me: “Se arena é tudo isso, jamais deixarei um filho frequentar qualquer arena”.

Há pouco tempo encontrei uma reportagem num jornal do Rio de Janeiro, de grande circulação, fazendo referências aos estádios que estão sendo reformados para a Copa, na qual o autor denominava-os de arenas-esportivas. Será que esse termo foi copiado da Inglaterra? Não existe arena-esportiva, mas significa que querem implantar no Brasil um nome copiado do futebol inglês, cujos torcedores são comprovadamente os mais violentos do mundo.

Mas ainda há tempo de se evitar essa perigosa trilha, esse termo depreciativo para o futebol; porém, para isso, nós, cronistas esportivos que sempre condenamos os distúrbios nos estádios, temos obrigação de combatê-lo e lutarmos junto as autoridades do Ministério dos Esportes para que permaneça o nome de estádio nos campos de futebol e se enterre definitivamente o nome de “Arena”.

***

[Lóris Baena Cunha é jornalista]