Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

“Divulgar a crise é mostra de independência”

O jornalista investigativo e escritor inglês Jon Silverman trabalhou por 26 anos na BBC como correspondente de guerra e de política interna. Professor da Universidade de Bedfordshire, Silverman acredita que o momento de escândalos na mídia reflete uma crise nas instituições britânicas. Para ele, a credibilidade pode ser reconquistada com a prática do bom jornalismo.

Primeiro o caso do tabloide News of the World, do magnata Rupert Murdoch, e agora a crise na BBC. Como o senhor vê este momento da mídia britânica?

Jon Silverman – É uma coincidência infeliz. Mas por trás disso tudo está uma crise de credibilidade nas instituições britânicas. Antes, os bancos, depois os políticos, e agora a mídia, está na berlinda. A confiabilidade dos veículos de comunicação está sendo posta à prova. A diferença entre os dois casos é que os jornais do grupo de Murdoch mal tocavam no escândalo das escutas telefônicas ilegais. Para mim, o fato de a BBC investigar e divulgar sistematicamente sua crise interna é uma mostra da independência do modelo democrático do jornalismo britânico.

A credibilidade da BBC foi abalada?

J.S. – Sem dúvida. Essa deve ser uma das piores crises da empresa. Principalmente porque tem início com um assunto muito sério, que causou repúdio na sociedade, que é o abuso sexual de crianças. Depois de evitarem que a investigação sobre Savile fosse ao ar, divulgam uma reportagem com uma acusação de pedofilia atribuída a um parlamentar sem checarem de forma acurada os dados. É decepcionante, também, como certos aspectos do gerenciamento dessa crise são desastrosos. A BBC é uma empresa paga por todos que vivem no país. Fica difícil justificar o pagamento de 450 mil libras (ou R$ 1,47 milhão) para George Entwistle, que ocupou o cargo de diretor-geral da BBC por menos de dois meses.

“A BBC é uma empresa de credibilidade”

O senhor cobriu crimes de guerra e produziu reportagens para o Newsnight. Teve problema com editores na BBC?

J.S. – Quando se cobre crimes de guerra, você precisa ter muita certeza sobre os fatos, como em qualquer reportagem, aliás. É um jogo de xadrez que vai sendo montado, e o jornalista não é um historiador, seu tempo de apuração é mais curto. A BBC sempre teve muito cuidado para que evitássemos qualquer erro, qualquer acusação infundada. Impressiona a incompetência com que lidaram com o caso desse político.

Qual foi a sua reação quando veio à tona o escândalo envolvendo Jimmy Savile?

J.S. – Fiquei chocado. E acredito que a equipe que produzia o material sobre Savile não deve ter gostado de ver seu trabalho interrompido sem que a direção do programa lhes contasse a verdade. Hoje se vê um número muito grande de pessoas em cargos de chefia e menos jornalistas nas ruas. E isso acaba tirando o foco do jornalismo, que é o produto final.

A BBC tem exibido extensa cobertura da crise. Essa postura é favorável à rede?

J.S. – A BBC é uma empresa de comunicação reconhecida, de credibilidade. E essa credibilidade vai voltar com a continuidade dessa prática de reportagem.

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[Simone Barreto, para O Globo]