Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A fantasia do interesse público

Com o carnaval, começam a pipocar nos veículos de comunicação as tradicionais pautas de serviço, de folias e de acidentes ocasionados pelo uso excessivo de álcool e outras drogas. Pautas essas que na grande maioria das vezes servem apenas para preencher o enorme vazio deixado pelas notícias habituais das áreas de política, economia e até mesmo social, já que boa parte do Brasil para já na sexta-feira que antecede a festa momesca.

Se elas realmente são de interesse público? Isso não parece importar, pelo menos para os veículos. Essa é a ideia que tenho ao perceber o desespero de alguns colegas de redação, a dinâmica do período e os resultados publicados. Podem até ser de interesse do público, se considerarmos que o público são os foliões que precisam, desesperadamente, saber quais as bandas que irão se apresentar nos dias de festa ou ver pela milionésima vez que haverá blitze nas estradas.

Interessante perceber que mesmo com uma evolução notória da imprensa, por conta dos novos veículos na internet e das redes sociais, onde assuntos diferenciados eclodem a cada momento, ainda continuamos com uma atuação simplória por parte dos profissionais da “grande imprensa” nestes períodos de vacância dos assuntos corriqueiros que povoam nossa mídia.

Quais as bandas que tocarão

Essa atuação é por muitos justificada pela esfera do “interesse público”, já que é, como já dito anteriormente – a maior festa popular brasileira. Esquecem-se, porém, de que o famoso interesse público é bem diferente do interesse do público, este último representado pelo o que a população deseja ver, ler ou ouvir para consumo imediato.

Considero o interesse público como um bem estar de uma coletividade, e não simplesmente de um amontoado de indivíduos. Interesse público está ligado a assuntos que promovam o desenvolvimento completo do ser humano como cidadão. Ousaria até dizer que o interesse público surge quando o cidadão se percebe como tal. Ou seja, quando o indivíduo passa a compreender que faz parte de uma cidade e é agente transformador de sua realidade. Dentro desse interesse público que abordo aqui estão as informações que promovem a formação crítica da população, dando oportunidade aos leitores, telespectadores e ouvintes de refletirem, analisarem e até promoverem temas que venham a contribuir com o desenvolvimento de nosso país e de nossa população. Tais temas seriam os mesmos que habitualmente vemos nas datas “não festivas”: saúde, educação, transporte, apoio social, trabalho, segurança… porém, em vertentes pouco abordadas, pouco exploradas e cuja análise crítica da população seria fundamental para propor alternativas e soluções para problemas estruturais e sociais das cidades.

Seriam informações recheadas da palavra cidadania, que em sua tradução mais simplista trata-se da “qualidade de cidadão”. Assim, por que não aproveitamos para “preencher vazios” com notícias que realmente valem a pena e que ainda podem conduzir nosso jornalismo para um patamar significativo de contribuição para a sociedade? Por que não aproveitamos o Carnaval, assim como vários outros períodos do ano, quando o país desacelera das notícias corriqueiras e de registro, para exercermos a premissa de promover, por meio da comunicação, o exercício da cidadania? Não teríamos, assim, a justificativa de falta de espaço ou de muita demanda.

Sem dúvida, são períodos como esse que podem nos ajudar a convidar os brasileiros a se tornarem agentes transformadores de uma realidade já bastante sofrida, mesmo que para isso deixemos apenas com a publicidade a função de informar quais as bandas que tocarão naquela festa que tantos desejam ir.

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[Clara Marcília Pinheiro é jornalista]