Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Os dilemas éticos da cobertura

Conflito de interesses da empresa que compra e cobre um evento, desrespeito à privacidade de celebridades esportivas, interação com o público pelas redes sociais, a invasão da publicidade no espaço informativo e a utilização do jornalismo esportivo como fonte de entretenimento. O jornalismo esportivo brasileiro tem dilemas éticos a resolver às vésperas de dois grandes eventos esportivos – uma tarefa que deverá encarar num momento de visibilidade sem precedentes em sua história. Durante o Seminário Internacional de Jornalismo Esportivo, Sociedade e Indústria, promovido pelo Instituto Projor/Observatório da Imprensa, os jornalistas Paulo Calçade, da ESPN, André Fontenelle, da Sportv, Maurício Stycer, do UOL/Folha de S.Paulo, e James Dart, do jornal britânico The Guardian compuseram uma roda de debates e preocupações.

O anseio de parte da sociedade por notícias relacionadas à vida pessoal de personalidades do esporte coloca, sob o ponto de vista da ética, um limite arriscado à atividade jornalística. Para Paulo Calçade, a abordagem de aspectos da vida íntima de atletas tem de obedecer, nesse quesito, às mesmas regras que regem a vida de pessoas comuns. “Não pode ser algo descompromissado. Não é porque é uma figura pública que você pode invadir sua privacidade. Eu me coloco no lugar deles”, disse o jornalista.

Calçade pondera, no entanto, que a atuação do jornalista esportivo está restrita àquilo que impacta dentro de campo, ainda que praticado fora dele. “Se o jogador não pode jogar porque tomou um porre e está caído no vestiário, aquilo está interferindo na atividade dele”, disse Calçade, defendendo a prestação da informação nesses casos.

Ao traçar um panorama sobre como atuam os tabloides ingleses, James Dart também criticou a postura invasiva, na Inglaterra, sobretudo por parte dos jornais populares. Para ele, essa prática fere os princípios do jornalismo.

“Valentões virtuais”

Uma preocupação com o conflitos de interesses foi outro ponto abordado no debate entre jornalistas. Maurício Stycer considerou preocupante, por exemplo, o fato de o ex-jogador Ronaldo ser comentarista durante a Copa, mesmo sendo dono de uma empresa que cuida da carreira de jogadores que podem fazer parte da seleção. No mesmo campo de conflito estão as empresas jornalísticas que patrocinam eventos esportivos que devem cobrir. “Que tipo de isenção terá e como vai proceder com esse duplo interesse?”, questionou Stycer.

Outro crescente dilema que tem causado preocupação é o uso do jornalismo esportivo para fins de entretenimento. Aquilo que foi caracterizado por Juca Kfouri como “leifertização da cobertura esportiva” encontrou eco também no segundo dia de debates do seminário. Na opinião de Paulo Calçade, a notícia preocupada em agregar altas doses de humor tem afetado o jornalismo. “Quando a informação vem desprovida de conteúdo, [a atuação jornalística] vira uma coisa muito rala. Isso, qualquer um pode fazer”, disse. Para André Fontenelle, é necessário que o formato seja realmente mais leve, mas não se deve abrir mão da qualidade jornalística.

O advento das redes sociais e o uso desses suportes como plataformas jornalísticas também foram objeto de debate. Ferramentas como Twitter e Facebook, na visão de Maurício Stycer, têm evidenciado a prática do mau jornalismo. “A instantaneidade da internet cria problemas técnicos graves. Sai muita besteira”, disse. Paulo Calçade, por sua vez, combateu aquilo que ele chamou de “ética de mão única”. “O jornalista tem uma série de obrigações, mas do outro lado os valentões virtuais, aqueles sem condições de interagir, não têm”, afirmou.

>> Entrevista com Paulo Calçade

 

>> Entrevista com Maurício Stycer

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Anderson Olivieri é estudante de jornalismo e repórter da Agência de Notícias UniCEUB