Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

“Jornalismo que só briga por audiência é inútil”

Num país onde as instituições não funcionam como deveriam, muitas pessoas buscam no jornalismo uma maneira de quebrar essa realidade e criar novas oportunidades. Roberto Cabrini não precisou de muito tempo para saber disso. Prodígio ao começar a carreira como o repórter mais novo da TV Globo, aos 17 anos, o jornalista e editor chefe do ‘Conexão Repórter’, do SBT, considera que, embora tenha que avançar bastante, o nível de jornalismo investigativo melhorou no país. Com mais de três décadas de experiência e à frente do programa que acaba de completar três anos, Cabrini não esconde a gratidão pelo jornalismo. Em conversa com o Comunique-se, revela como foi o trabalho de construção e consolidação do ‘Conexão Repórter’ e o que conquistaram durante esses anos. “Entendemos que não há circo sem bilheteria. Brigar por audiência faz parte do mundo da televisão, mas é preciso cumprir as duas metas: ser relevante, em primeiro lugar e, em segundo, ser competitivo”.

Presente em todas as finais do Prêmio Esso, as reportagens exibidas pelo programa são resultado de investimento em pessoas. “É preciso permitir que as pessoas cresçam dentro da estrutura. Tem que ter motivação, entusiasmos e inquietação, senão vira uma instituição bancária, uma coisa burocrática”, comenta. O difícil equilíbrio entre matérias de fôlego e as de fácil resolução, os riscos de investigar assuntos delicados, audiência e relevância de conteúdo, o cuidado com os produtores que ficam infiltrados, a dificuldade de ver pautas caindo são pontos discutidos durante a conversa com o profissional. Dividida em duas partes, o Comunique-se publica nesta terça-feira, 28, entrevista que mostra como é o trabalho de Cabrini com o ‘Conexão Repórter’ e a avaliação do jornalista três anos depois da estreia da atração.

A influência da tecnologia no comportamento dos profissionais, um recorte sobre o jornalismo no país, o fator fama dentro da profissão, os riscos da investigação e quem é o Cabrini depois de 30 anos de carreira estarão presente na segunda parte da entrevista com o repórter, que será publicada nesta quarta-feira, 29. Em 26 de junho, o jornalista vai comandar o evento “Os Desafios da Grande Reportagem”, promovido pelo Comunique-se Educação em São Paulo.

Como você avalia os três anos do programa? Qual o saldo desse trabalho?

Roberto Cabrini – Não é fácil estabelecer um programa jornalístico que cumpre função social e ao mesmo tempo competitivo. Nós conseguimos tudo isso, temos resolvido bem essa equação. Entendemos que não há circo sem bilheteria. Brigar por audiência faz parte do mundo da televisão, mas é preciso cumprir as duas metas: ser relevante, em primeiro lugar, e, em segundo, ser competitivo e brigar pela boa audiência. Conseguir tudo isso em jornalismo fora da TV Globo, que tem uma estrutura muito maior, envolve muito mais sacrifício. É muito mais desafiador. Mas conseguimos e o resultado está aí. Tivemos reportagens com grandes repercussões internacionais, geramos CPI’s e discussão sobre importantes assuntos. Conseguir tudo isso em apenas três anos é uma vitória muito grande. 

Os resultados são reflexos de …

R.C. – A equipe é muito motivada, tem orgulho do que faz. Tivemos pouca rotatividade. Promovemos televisão de uma forma prazerosa. Gosto de investir nas pessoas, permito que elas cresçam dentro da estrutura. Sempre acreditei nisso. É preciso ter motivação, entusiasmos e inquietação, senão vira instituição bancária, uma coisa burocrática. O jornalismo precisa promover reflexão e ter potencial de promover mudanças sociais. Do contrário, não serve para nada. O jornalismo que só briga por audiência é inútil e é rapidamente esquecido. O que faz uma matéria ser referência é exatamente ela nunca fechar a questão de algo. É ela promover a discussão. Não queremos e nem temos a pretensão de que as pessoas, após assistir uma reportagem, fiquem com opiniões semelhantes com as nossas. Tentamos ao máximo não passar nenhum tipo de opinião. Esse é o grande desafio do jornalismo: dar voz àquelas pessoas que inconscientemente você discorda e permitir que opiniões contrárias possam estar dentro da reportagem também.

O que mudou ao longo desses anos? Como vocês aperfeiçoaram a ideia do programa?

R.C. – O ‘Conexão Repórter’ aconteceu num momento de experiência e maturidade da minha carreira. É reflexo do que aprendi como repórter. Ao longo desses anos, o programa cresceu principalmente em ritmo e evolui em linguagem. Aperfeiçoamos a habilidade de colocar todo o documento jornalístico em um pacote atraente para o público. Mas trata-se de mudança constante. Tem que se permitir descobrir novas fórmulas, pautas e visões. Não pode parar em um determinado modelo. O segredo está na renovação.

Como manter essa renovação?

R.C. – Tudo que você deseja num programa jornalístico como o ‘Conexão’ é que ele seja pulsante. Mas, toda a equipe precisa estar aberta a novas possibilidades, a partir de mim, que sou o editor-chefe. É meu papel estimular a opinião da equipe, novas visões, maneiras de se editar uma matéria ou de abordar um entrevistado. Se você parar de se renovar, você morre jornalisticamente. A necessidade de renovação é constante e eterna. Parou de se renovar? Pode encerrar a carreira!

Quais as dificuldades de fazer o ‘Conexão Repórter’?

R.C. – Sempre queremos fazer matérias mais pulsantes e representativas sobre o que está acontecendo no momento. Costumo dizer que a melhor matéria é sempre a próxima. Temos estrutura bem aberta, podemos virar o programa em dois dias e, também, trabalhar em matérias durante meses. Todas as nossas reportagens precisam de elementos concretos, o que pode demorar anos ou dias para conseguirmos. Além disso, toda semana tem que ter um programa novo. É uma equação para resolver. Precisamos de pautas que possam fechar dentro da periodicidade necessária e, ao mesmo tempo, de pautas de fôlego.

Como vocês se organizam?

R.C. – De modo geral, estamos sempre realizando seis programas ao mesmo tempo. Assim conseguimos obedecer a essa necessidade de equilíbrio entre as pautas mais fáceis e as de fôlego, que levam mais tempo. Algumas, a gente nem consegue realizar, porque não tem dados suficientes para que elas sejam veiculadas. Faz parte do jogo. Por isso precisa de equilíbrio, matérias que você tem certeza que vai conseguir, pois tem que ter programa toda quinta.

Há algumas semanas, você adiantou a reportagem sobre religião por causa do caso do pastor acusado de estupro. Não foi a primeira vez que vocês fizeram mudanças como essa. Como é fazer isso? Como vocês decidem?

R.C. – É arriscado e exige agilidade – uma vez que você decide, tem que partir para isso. Nessa situação, deixamos um programa em stand-by pronto e tentamos fechar o que representa o factual. Então, se não conseguirmos elementos suficientes, tem um programa na reserva. Mas é bom que você tenha a oportunidade de realizar reportagens rapidamente, que reflitam a atualidade.

Dá para começar do zero ou a pauta tem que estar encaminhada?

R.C. – Dá para partir do zero, sim. Envolve experiência. Claro que um programa feito dessa forma não vai ter acabamento tão perfeito como os outros. Mas tem que ter programas que refletem o momento. Isso equivale uma mentalidade para mim, para o editor executivo, para o produtor, o editor. Todo mundo tem que ter essa adrenalina. A minha equipe adora quando tem que virar um programa rapidamente e todo mundo se organiza e divide as funções. O jornalismo vive dessa adrenalina. Nada do que não gostamos de fazer. A hora que a gente perder isso, perdeu a essência.

Quais cuidados são tomados com os produtores que ficam infiltrados? Como fazem para que os nomes deles não sejam divulgados?

R.C. – Todo produtor investigativo tem que ter noção de que trata-se de um trabalho que envolve risco. Temos que minimizar isso com experiência. A nossa obrigação é que a pessoa esteja ciente de tudo isso. Precisamos infiltrar pessoas em algumas matérias e, às vezes, temos que fazer pautas com outras pessoas que não estão no nosso grupo diário porque o nome dela nunca apareceu em nenhum crédito. É importante isso. Tem que contar com pessoas que jamais apareceram. Nós damos créditos, é natural, o profissional quer que o nome dele esteja ali. Mas em determinado tipo de ação você não pode, tem que selecionar outro tipo de jornalista. Por exemplo, a menina que se infiltrou para apurar a matéria no mundo da moda. Naquela ocasião, precisávamos de alguém com características de modelo, mas que fosse jornalista. Demorou para conseguir alguém especial para isso, mas conseguimos. Podemos chamar alguém de fora ou do jornalismo do SBT.

O Silvio sempre diz que o SBT é uma emissora de entretenimento, não de jornalismo. Como você vê isso?

R.C. – O Silvio é apaixonado pelo programa. Sei que ele, que é um homem que dorme muito cedo, pede constantemente as edições para assistir. Ele dá total liberdade. Quando voltei para o SBT, pude montar o que quisesse. Foi muito gratificante começar um projeto do zero. Desde a escolha do nome até a formação da equipe, foi tudo personalizado e formatado por mim. Depois de três anos, fico muito feliz em ver as barreiras que o programa conseguiu vencer. Não temos estrutura tão grande quanto os programas semelhantes em outros lugares, nossa estrutura é pequena. Mas, dito isso, estamos muito felizes com o que temos alcançado.

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Nathália Carvalho, do Comunique-se