Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Educação, academia e baboseiras

Se é certo, como dizia um personagem de Shakespeare (Henrique VIII, na peça de mesmo nome), que ‘as palavras não são atos’, também é verdade que as palavras atuam. Por isso falamos e escrevemos. Acreditamos no seu poder. Ou nos dedicaríamos apenas a fazer, fazer, fazer, sem contar nada a ninguém, sem nada anunciar ou comentar.

A vida acadêmica é o lugar das palavras, palavras que nascem da pesquisa, da reflexão. E essas palavras por vezes incomodam, como ficou manifesto na reação da secretária estadual de Educação em São Paulo, Maria Helena Guimarães de Castro, quando da famosa entrevista que concedeu à revista Veja (ed. nº 2047) em fevereiro deste ano.

Dizia Maria Helena nessa entrevista (convém anotar e guardar suas palavras…) que um dos maiores problemas da educação em São Paulo é o nível profissional dos docentes. Quando Veja lhe perguntou sobre possíveis soluções, a resposta foi curta e grossa: ‘Num mundo ideal, eu fecharia todas as faculdades de pedagogia do país, até mesmo as mais conceituadas, como a da USP e a da Unicamp, e recomeçaria tudo do zero.’

O elogio ideológico

As palavras que vêm da USP e da Unicamp, e de outras instituições universitárias, podem (e devem) incomodar. Serão consideradas ‘baboseiras ideológicas’ por quem se considera capacitado a agir mais do que a pensar, alegando não ter tempo a perder com discussões.

No entanto, são precisamente as palavras da academia que, não raramente, cobram do poder público menos palavras e mais ações! Como é o caso do artigo ‘Ensino sem demagogia‘ (Folha de S.Paulo, 13/07), de Dermeval Saviani (professor emérito da Unicamp), que vale a pena difundir.

O artigo, em essência, pede (estamos em época de campanha eleitoral…) que os políticos sejam coerentes com os seus discursos. De fato, afirmar com entusiasmo que a educação é prioridade e negar essa afirmação com a prática configura um comportamento cínico e demagógico dos políticos predominantes. Isso, sim, são baboseiras ideológicas: manipular as palavras para manter o outro sob controle. Concretamente: gastar o verbo e negacear as verbas.

Saviani, contudo, deveria esclarecer um importante aspecto da questão. No artigo, relaciona a precariedade das condições de trabalho do professorado paulista ao PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação), lançado pelo MEC em 2007. Não é o momento de estabelecer essa relação… ainda.

Boa parte da problemática situação educacional de São Paulo é fruto das decisões tomadas nos últimos 14 anos por um grupo que, hoje, critica as ações e palavras do MEC. Exemplo disto é o elogio (ideológico) que o deputado federal Paulo Renato fez àquela inesquecível entrevista de Maria Helena…

******

Doutor em Educação pela USP e escritor – www.perisse.com.br