Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Em busca do príncipe encantado

Desde crianças, as mulheres sonham com um príncipe. Nessa procura, não raro acordam ao lado de sapos. Agora, o príncipe encantado ganhou um novo nome: übersexual. Ele é quase perfeito, o último estágio da evolução dos tipos masculinos, daí a palavra alemã über, que significa ‘top’, ‘acima’ ou, como dizem as mulheres, ‘tudo de bom’. (O Estado de S. Paulo, 30/10).

Ao começar a matéria com essa afirmação, o jornal aparentemente não duvida de que as meninas ainda lêem contos de carochinha e crescem acreditando que sua felicidade depende, exclusivamente, do jovem lindo e poderoso que virá tirá-la de seu sono profundo para uma vida de felicidade completa.

Ou a matéria tem sutilezas incompreensíveis para leitores menos privilegiados ou é contraditória mesmo, pois, às tantas, diz:

‘‘As mulheres chegaram ao poder e seus valores desestabilizaram os homens. Nas universidades, elas já são 56% dos alunos e 66% dos formandos. No mercado de trabalho, 40% da população economicamente ativa. E olha que ainda existem 12 milhões de mulheres chefiando famílias. As mulheres inventaram o metrossexual e os novos tipos’, diz Nelsom Mrangoni, diretor-executivo do Ibope Solution.’

Se elas chegaram lá é porque não acreditam que a realização pessoal vem, necessariamente, da cerimônia de ser conduzida ao altar pelo pai, para serem entregues à guarda do marido. Quem garante que as jovens mães que, por necessidade ou por decisão pessoal, dividem seu tempo entre o trabalho e a casa, ainda passam às meninas os valores que foram de suas avós? Quem garante que as mulheres de hoje – pelo menos as que conseguem estudar e ter uma carreira – ainda acham que o casamento, nos moldes tradicionais (a mulher em casa e o homem fazendo seu papel de provedor), ainda é o sonho de todas elas?

Até o Código Civil (segundo alguns, já superado) se adaptou aos novos tempos, desqualificando virgindade como requisito para o casamento, eliminando a figura do adultério e reconhecendo a mulher como chefe de família.

Mas boa parte da imprensa continua tratando as mulheres como figuras frágeis e dependentes, que precisam do marido para sua aceitação na sociedade. Para essa imprensa, sua leitora continua a mesma menina que sonha com um príncipe encantado.

Nem muito antigamente

A mulher de hoje, nos grandes centros, nas cidades do interior e no campo trabalha fora, faz carreira e, além de tudo isso, ainda é a principal responsável pela educação dos filhos. Mas, a acreditar na receita das revistas femininas, só será feliz se, além de trabalhar, ser um sucesso na carreira e ganhar bem, for capaz ter uma casa impecável, cozinhar como um chef e se manter linda, em forma e sempre na moda. Evolução, se houve, foi o fato de hoje as revistas femininas admitirem que a mulher persegue o orgasmo com a mesma intensidade com que sonhava com um enceradeira, nos anos 1950. Até mais, se considerarmos o excesso de matérias com receitas para felicidade sexual que inundam as revistas femininas.

A imprensa até admite que os homens mudaram, saindo da figura tradicional do patriarca até chegar ao übersexual. Mudaram porque as mulheres mudaram antes. Como diz a publicitária Marlene Bregman, na mesma matéria, ‘eles precisaram compartilhar o poder, relacionar-se com elas de igual para igual, o que trouxe à tona um lado feminino que no passado não fazia sentido’.

Se a imprensa é capaz de mostrar a evolução masculina, deveria mostrar também o caminho percorrido pela mulher, que se transformou num cidadão que exerce seus direitos e procura não o príncipe, mas um parceiro. Ela aprendeu que o homem não é o patriarca poderoso dono da felicidade instantânea. E que essa história de príncipe encantado nunca foi verdade, nem muito antigamente. As mulheres eram criadas para casar, ter muitos filhos e confiar cegamente no marido como protetor e provedor. E, para passar o tempo, faziam lindos bordados. A situação mudou tanto que até esse hobby parece ter mudado de sentido: numa sessão da CPI, a ex-mulher de um político usou o bordado para chamar a atenção da mídia e dar o recado de ‘chega de corrupção’.

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Jornalista