Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Em busca do culpado

O culpado pela epidemia de dengue no Rio? Ora, é o povo, minha gente.

Pode ser que não seja o único, mas certamente é o culpado principal. Tomei conhecimento pelo noticiário de que no Rio de Janeiro, capital, 40% das residências deixaram de ser vistoriadas. E em grande parte dessas casas, ainda segundo o noticiário, o agente não entrou porque o proprietário não deixou ou deixou ordem proibindo a entrada de qualquer pessoa.

Essa história é velha.

Em 1903, o diretor-geral de Saúde Pública, dr. Oswaldo Cruz, ao combater a febre amarela nesse mesmo Rio de Janeiro, enfrentou vários problemas. Implantou medidas sanitárias (brigadas para eliminar focos do inseto em casas, jardins, quintais e ruas) impedindo a manutenção de águas estagnadas em que se desenvolviam as larvas dos mosquitos (exatamente como hoje).

Sua atuação provocou violenta reação popular.

Em 1904, ano seguinte à nomeação desse sanitarista, a oposição a Oswaldo Cruz atingiu seu ápice. Com o recrudescimento dos surtos de varíola, o sanitarista tentou promover a vacinação em massa da população. Os jornais lançaram uma campanha contra a medida. O congresso protestou e foi organizada a Liga contra a Vacinação Obrigatória.

‘O JN avisou…’

No dia 13 de novembro estourou a rebelião popular (a Revolta da Vacina) e no dia 14 a Escola Militar da Praia Vermelha se levantou. O governo derrotou a rebelião, mas suspendeu a obrigatoriedade da vacina.

Agora analisem vocês o quadro atual.

Pessoas não adotam as medidas saneadoras que cada um deve adotar; a imprensa insiste em culpar as autoridades e estas, por serem políticas, nada podem dizer do que é a verdade, sobretudo porque seria loucura dizer que o povo é culpado pela dengue. A imprensa faria um escarcéu e venderia milhões de exemplares de jornal. ‘Governador diz que dengue é culpa do povo’ e tome manchete. O prefeito César Maia, homem inteligente e estressadamente controlado, diante da acusação de descaso, com a qual não concordo, muniu-se de todo o sarcasmo possível nesse momento e rogou ao Senhor do Bonfim que mande o mosquito ir morder em alto mar (eu sei que é picar, mas morder é mais forte), como se viajantes e marinheiros não fossem filhos de Deus e o próprio Senhor do Bonfim fosse um renegado.

O William Bonner, que já está merecendo um prêmio teatral por interpretação de notícias, se remexe na cadeira e franze o cenho para dizer que ‘no ano passado, o Jornal Nacional avisou’. Entra Fátima Bernardes com uma interpretação melhor ainda, sem esquecer aquele risinho-canto-de-boca que lhe é peculiar, e informa que no dia tal, do mês tal de 2007 o Jornal Nacional informou isso e aquilo.

O invasor inimigo

Ora, sobre a quantidade de residências que deixaram de ser visitadas, eu só vi falarem uma única vez. Sabem por quê? Simples. Culpar o povo não dá audiência nem vende jornal.

O povo não acredita em mosquito, ainda mais esse mosquito ridículo que nem força tem para voar. O povo não acredita no vizinho. Acha que não vale a pena fazer nada porque o vizinho não está nem aí. O povo não acredita no agente de endemias; ‘Puxa, logo agora que a Ana Maria vai dar a receita do escalopinho, vem esse mata-mosquito encher o saco…’

Brincadeiras à parte, darei a receita para que a coisa funcione.

O plano tem que ser radical. A ordem é entrar nas casas. Qualquer casa. O agente carrega junto com a pistola com que vai atingir os focos, um artefato cortador de cadeados, uma chave-mestra e um mandado judicial específico. A ordem é entrar. Para cada área cuja extensão deverá ser determinada, seguirá um microaparato policial composto de uma viatura com guarnição, com ordem para dar voz de prisão e recolher todo aquele que ousar desobedecer ao que o agente de endemias determinar. A ordem é entrar. É para enquadrar todo mundo – inclusive autoridades, parentes de autoridades e apaniguados. É caso de vida ou morte.

O governador Sergio Cabral, que está me surpreendendo pelo destemor, parece com perfil para implantar um plano assim. O problema é achar um comandante destemido, com sangue na veia, disposto não apenas a fazer, mas a motivar sua equipe de modo a atuar como se estivesse salvando a própria Terra do invasor inimigo. Diante dessa evidente dificuldade, eu me apresento como voluntário para tocar esse projeto e mandar esse mosquito, não para o oceano, como quer o prefeito, mas para os quintos dos infernos.

******

Estudante, Nova Iguaçu, RJ