Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Enfim, matérias para não-iniciados

As top models não têm o corpo perfeito que a gente imagina e, na hora de desfilar, é preciso apertar aqui, alongar ali e dar a impressão, aos desavisados consumidores, que, usando aquele modelito, vão ficar lindas como as altas, magras e decididas mulheres que os vestem por alguns minutos para aparecer na passarela.

O tardia constatação está numa reportagem – ‘De medidas perfeitas, o molde vivo das grifes’ – publicada na edição de domingo (22/1) do Estado de S.Paulo, no final da São Paulo Fashion Week de São Paulo.

Essa matéria, mais o artigo ‘Corpos descarnados das passarelas’ (Folha de S.Paulo, domingo, 22/1), que analisa o fascínio despertado pelos modelos nas pessoas comuns, são um excelente contraponto ao noticiário da semana sobre os desfiles que, como sempre, usou e abusou dos termos como inspiração ‘medieval’, ‘renascentista’, e outras pérolas de criatividade trazidas pelos estilistas para justificar o seu espetáculo.

O que essas duas matérias revelam é a grande distância entre o mundo real e o que se vê nas passarelas. No mundo real estão os estilistas preocupados em vender a nova coleção. No mundo ideal estão as supermodels copiadas e imitadas, os estilistas querendo justificar a necessidade inovar, e a mídia especializada que exige novidades, elege um ou dois sucessos e tenta impingir aos leitores as ‘tendências’ do momento.

Lado fútil

O artigo de Paula Sibila (Folha, 22/1/) fala do mundo ideal, as modelos de passarela:

‘Como explicar o estrondoso sucesso dos desfiles de moda? Por que será que esses eventos, outrora restritos e pouco interessantes para o grande público, de repente eclodiram em verdadeiros acontecimentos internacionais? Ao seu redor fermenta uma algazarra à qual é difícil permanecer alheio, todo um circo midiático em cujo centro brilham elas: as modelos. Com suas roupas extravagantes, seu exibicionismo pueril e seus namorados famosos… Mas sobretudo com seus corpos exemplares. Corpos extremamente jovens, delgados e pulcros. Afinal, os desfiles são isso: festivais de corpos modelos. Que corpo é esse, infinitamente reproduzido nas telas eletrônicas e nas páginas brilhosas das revistas? Com sua mudez desalmada (pura pele exposta aos olhares), com sua pertinaz ausência de palavras, esses corpos emitem uma impugnação para os comuns mortais que os admiram. Orgulhosos em seu andar triunfante, nem querem saber se aprisionam alma nenhuma. E a cada nova temporada, desde os cobiçados altares das passarelas, as lânguidas celebridades do mundo fashion convocam o ávido público a idolatrar e imitar suas formas. Pois lá embaixo, bem mais perto do lodo terreno, os corpos reais devem sofrer para estarem à altura desses modelos digitalizados – e sobretudo digitalizantes. O mercado das aparências, é claro, comemora’.

Já a matéria do Estado fala do mundo real, com pessoas reais ganhando salários reais e vivendo, como a grande maioria das mocinhas, o sonho quase impossível de virar também uma top model:

‘Ela é o que o mundo da moda chama de modelo de prova: tem as medidas ideais para a confecção das coleções que são exibidas na São Paulo Fashion Week e depois vão para as lojas. O tamanho P tem que caber e cair bem nela. Suas medidas – que nunca podem variar – são 87 cm de busto, 63 de cintura, 58 de coxa e 92 de quadril… Diferentemente das modelos que desfilam na passarela, Ana Paula é contratada da empresa, trabalha em horário comercial e tem como uma das funções dar palpite sobre o que veste’.

Se são boas como molde para a roupa que será vendida, por que não servem para o show? Uma das entrevistadas esclarece: ‘Vontade não falta, mas para eles eu sou gorda’. E antes que se pense que as modelos de passarela são perfeitas, o esclarecimento de um dos estilistas:

‘Para que a roupa apareça, as modelos de passarela têm de ser mais longilíneas. Não são padrão regular. Às vezes tem P de largura e G de altura. Para nós, é mais fácil primeiro lançar comercialmente a coleção numa base próxima das clientes e depois ajustar para as modelos’.

O que se espera é que esses dois artigos marquem o começo de uma nova era em que a imprensa dê menos importância ao lado fofoqueiro e fútil da moda, e passe a tratar esse ramo de negócios como o que ele realmente é: um mercado que se promove por meio de magníficos shows, com o cenário, efeitos especiais e atores que valorizam o produto.

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Jornalista