Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Entre a rigidez e a monstruosidade

O brutal assassinato da menina Nixzmary Brown, em Nova York, e o julgamento de seu padrasto, Cesar Rodriguez, atraem intensa cobertura na região, nos últimos dois anos. Classificado por policiais locais como o pior caso de abuso infantil da década, Nixzmary, de apenas 7 anos, foi amarrada a uma cadeira, molestada sexualmente e torturada por semanas até ser morta com um golpe na cabeça. Rodriguez e a mãe da menina, Nixzaliz Santiago, são julgados separadamente por assassinato em segundo grau. A mídia em língua inglesa só perde em cobertura para os veículos em espanhol. Rodriguez nasceu no México; Nixzaliz, em Porto Rico. Os dois têm 29 anos e viviam com seis filhos – quatro de relacionamentos anteriores dela – em um apartamento no Brooklin. Rodriguez trabalhava como segurança.

A mídia tem caprichado na carga emocional da cobertura, com detalhes terríveis dos abusos sofridos por anos pela menina e relatos dramáticos do julgamento, além da luta do padrasto para culpar sua mulher pela morte de Nixzmary. Há, entretanto, sutis diferenças no tom e nos temas das reportagens. Enquanto os tablóides em inglês demonizam Rodriguez, a mídia hispânica é mais simpática a ele, enfatizando as dificuldades para se criar e educar seis crianças.

A cobertura diária no El Diario-La Prensa é o assunto mais lido no sítio do jornal – que criou um suplemento online especial para o caso. O interesse também ultrapassou a fronteira dos EUA: artigos em espanhol distribuídos pela Associated Press e pelas agências EFE e Notimex chegaram a ser publicados em jornais na República Dominicana, Honduras, México e Porto Rico. ‘Definitivamente, há um senso de comunidade neste caso’, analisa Alberto Vourvoulias-Bush, editor do El Diario-La Prensa. O jornal costuma enfatizar a imagem de ‘imigrante trabalhador sob o estresse de cuidar de uma grande família’ pintada pelos advogados de defesa de Rodriguez. Em janeiro, um artigo descrevia uma caneca encontrada no apartamento do casal com os dizeres ‘Melhor Pai do Mundo’.

Monstros

Esta imagem contrasta com a cobertura de parte da imprensa em língua inglesa. O New York Post costuma publicar manchetes sobre o sofrimento da vítima, colocando o padrasto como ‘a face do mal’. ‘No meu trabalho, muitas vezes já fui obrigada a olhar em faces que são maldade pura. Na maior parte do tempo, fico impressionada em ver como estes monstros parecem humanos’, escreveu no início do ano a colunista Andrea Peyser.

A defesa de Rodriguez – que admite que batia diariamente em Nixzmary e a amarrou em uma cadeira semanas antes de sua morte – diz que as atitudes dele se justificam pelo mau comportamento dela, que atormentava os irmãos. Luz Plasencia, repórter do jornal em espanhol New York 1 Noticias que cobre o caso há dois anos, afirma que a grande questão é cultural. Segundo ele, em muitas famílias hispânicas, comportamentos como o de Nixzmary seriam punidos com tapas. ‘Eu acho que ninguém duvida que [as atitudes de Rodriguez] eram exageradas e abusivas, mas vejo que isso traz à tona a questão da disciplina. Os americanos chamam seus filhos para conversar, dar um tempo. Os latinos não chegam a isso’, compara. Talvez venha daí a diferença no tom da cobertura.

Já a mãe de Nixzmary é vista por grande parte da imprensa hispânica – e do público – como culpada pelos abusos sofridos pela filha, já que seria dela a obrigação de proteger a criança. Muitos internautas opinaram em fóruns online que Nixzaliz deveria colocar a segurança de seus filhos em primeiro lugar. ‘Seja primeiro mãe, depois esposa’, sugeriu uma leitora do Bronx. ‘Há a grande questão sobre quem é o maior monstro da história. Ela é a mãe biológica, enquanto Rodriguez é o padrasto. Cabia a ela estabelecer o limite entre disciplina e abuso’, diz Alejandra Soto, também repórter do New York 1 Noticias, analisando a cobertura do caso. Informações de Annie Correal [The New York Times, 8/3/08].