Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Entre mães algozes e mães mimadas

Após o milagre da menina de 2 meses que foi salva antes de morrer na Lagoa da Pampulha, em Minas Gerais, surgiram mais casos de bebês abandonados. Dois foram encontrados já mortos e outro foi socorrido ainda com vida. Esses são os veiculados, os casos que chegaram aos meios de comunicação num prazo de 10 dias. A mídia está cobrindo como deve ou apenas noticiando os fatos à espera de mais um? Quantos mais existem, que finalmente sumiram no fundo de mares e lagoas, enterrados em jardins, abandonados em matagais ou que se misturaram ao lixo dos centros urbanos? Não sabemos, mas não é preciso ser perito em estatística para imaginar que o número de bebês abandonados é maior do que a mídia nos mostra e principalmente é um problema mais complexo do que as lentes das câmeras conseguem captar.

Fetos congelados, promessas de bebês que sobraram depois que as famílias conseguiram o número de filhos que pretendiam são também exemplos de bebês, dessa vez virtuais, que foram abandonados nos bancos de embriões e estão à espera de alguma solução. Bebês maltratados, bebês não-socorridos em suas necessidades básicas de desenvolvimento, esses lideram o ranking da falta de políticas públicas, como a do planejamento familiar e da educação sexual. Mas como exigir políticas públicas de planejamento familiar para uma sociedade que é diariamente violentada por uma mídia que pratica a deseducação sexual e a banalização da sexualidade?

Sexualidade banalizada

As revistas femininas, os jornalões e jornaizinhos, a mídia inteira luta com afinco para piorar as coisas. O que é educação sexual? Melhor perguntar aos editores o que é deseducação sexual?

Dos Big Brothers do mundo aos programas de entrevistas mais respeitados, a questão da educação sexual passa em branco; o que temos é a massificação do desejo, algo belo e particularíssimo, aliado a uma estranha resistência religiosa que se sustenta sobre a moralidade, ignorando as pulsões vitais, a necessidade atávica que o ser humano tem de copular.

Essa necessidade, que nasce no sistema límbico, pode ser controlada via córtex, por meio de educação sexual franca e objetiva, o que deveria ser o eixo de qualquer política pública de planejamento familiar. Não adianta ensinar os adolescentes a fazer uso de preservativo se inundamos seu cérebro com cenas que banalizam a sexualidade, com ‘matérias’ que só falam em como conquistar seu gatinho em 10 lições, com fotos de peitões siliconados saltando para fora das miniblusas.

Como freiras

Informações sobre o funcionamento do corpo, a função biológica dos seios ou sobre os efeitos da pílula, por exemplo, que seriam interessantíssimas para adolescentes, não se lêem, não se encontram nas revistas mais populares. Há a recomendação para usar a pílula, como se a pílula não causasse nenhum dano à saúde da mulher. E nesse quesito é importante ressaltar que a sociedade médica clássica serve de baliza para a mídia. Já escutei um médico afirmar e uma editora defender que é melhor não publicar os efeitos da pílula por dois motivos: primeiro porque as de hoje são mais leves, segundo porque se as adolescentes não utilizarem pílula teremos aumentado o índice de gestações em idade precoce. Será? Será que investir na falta de franqueza e transparência não é também uma forma de bestializar as questões que rondam a sexualidade?

Gravidez, por exemplo, só ocorre com penetração, mas mocinhas de menos de 16, 17 anos, em sua maioria, não sentem prazer imenso com a penetração, estão numa fase em que são comuns as fantasias de dilaceração. Estão emocionalmente e corticalmente pouco preparadas para o ato completo, cedem mais por vaidade do que por desejo. Mocinhos de menos de 16, 17 anos vivem situação semelhante, estão em idade de experimentar, têm fantasias de castração, estão na fase do que se chama popularmente de amasso.

Na ânsia de experimentar o jogo responsável da vida sexual adulta, os adolescentes se precipitam, empurrados pela mídia ignorante, e no caso dos meninos, por uma sociedade machista. Pulam uma fase importante do amadurecimento sexual por falta de orientação e se não acabam mal em decorrência de gravidez precoce ou DST, podem atropelar a realização sexual da vida adulta, esta sim, só plena com a penetração. Obviamente ocorrem inversões que fabricam adultos com problemas que deveriam ter sido resolvidos no prolongamento dos amassos, na fase da malhação, como a ejaculação precoce e a frigidez na vida adulta. Mas os meios de comunicação não mencionam as fases do amadurecimento sexual, assim é comum que mulheres de 23, 24, 30 anos vivam como freiras abstinentes, após uma penetração precoce por volta dos 13, idade em que a menina mergulha nas primeiras sensações e que jamais deveria enveredar-se pelo ato sexual completo. Educação sexual não é uma questão moral, passa pelo entendimento do corpo cronológico, fisiológico, emocional e cortical.

Ambas inconscientes

Educação sexual, tema ignorado pela mídia, não deverias ser voltada só para adolescentes, poderia tratar mais a fundo outras questões que só vem à tona em picos fashion de matérias, como é o caso da depressão pós-parto. Muito mal-coberta, a depressão pós-parto virou moda porque casa com aquela confusão que se fez com o feminismo, que no fim das contas só fabricou peruas ausentes que não sabem nem fritar um ovo por medo de perder o cérebro.

A depressão pós-parto, explorada pela mídia como mais um direito da mulher, direito até de desmamar para tomar as drogas necessárias à volta da alegria, é também o choque diante de uma realidade para a qual a mulher não se preparou, não estudou, não foi orientada. Depressão pós-parto é um problema hormonal e bioquímico que poderia ser prevenido com educação sexual, noções de puericultura e consciência corporal. O corpo que pariu tem tudo para fabricar ocitocina, hormônio do amor, e prolactina, hormônio do prazer. Se não fabrica talvez seja porque o entendimento do que é amor não passe de uma imagem publicitária, e o que foi captado como prazer não seja mais do que erotismo fugaz. Cuidar de um ser humano que saiu de dentro da barriga de uma mulher pode ser um alento, uma reparação, um sonho desejado, um desejo realizado, mas pode ser também um soco na boca do estômago, paralisante, entristecedor, deprimente.

Prender as mães que abandonam seus bebês gera de imediato e no mínimo mais bocas famintas, se a infeliz tem outros filhos para sustentar. Casas para abrigar grávidas abandonadas podem ser uma solução mais eficiente e preventiva para essas mulheres dominadas pelo sistema límbico, descorticalizadas, mal-educadas e afinal não tão diferentes daquelas que se entopem de prozac para olhar na cara de seus bebês. O que separa as pobres das ricas são páginas de revistas, desinformação, deseducação sexual, banalização da sexualidade e acesso a remédios ‘mágicos’ que fazem rir quem está infeliz. Ambas são igualmente ignorantes, igualmente inconscientes de seus corpos e vítimas da mídia. Uma porque é escolhida para ser algoz, ré; a outra para ser a palhaça mimada.

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Jornalista