Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Era uma vez um jornalista…

Era uma vez um jornalista que dedicou grande parte de sua vida à profissão. Desde criança, ele sonhou em mudar o mundo com suas reportagens… Lutou para passar no vestibular e, com muita dificuldade, cursou uma das melhores faculdades de Comunicação Social do país. Durante o curso, participou de aulas teóricas e práticas. E leu muito – de clássicos a bulas de remédio, na certeza de que a escrita seria a principal ferramenta de sua profissão.

Ainda na graduação, este jornalista percebeu que os estágios pagavam pouco e eram muito desgastantes. Mas persistiu. Trabalhou em jornais, emissoras de rádio e TV. E obteve um aprendizado considerável, apesar da pouca orientação recebida pelos profissionais das equipes cada vez mais reduzidas da imprensa comercial. Sozinho nas ruas, o ‘quase jornalista’ fazia de tudo: apurava, fotografava, filmava e editava. Dessa experiência, ele aprendeu o real significado do termo ‘multimídia’…

Concluído o curso, o foca tentou ingressar no acirrado mercado de trabalho. Fez provas que exigiam inglês fluente e conhecimentos de política. E encaminhou currículos para diversas empresas. Conseguida a vaga, mais uma decepção. O salário de miséria e a carga horária desumana não permitiram que a criatividade e o senso crítico aguçassem. A falta de tempo e a cobrança da chefia o fez redigir textos robotizados, que levavam demais a sério a teoria do lead. Mas ninguém muda o mundo respondendo àquelas seis perguntinhas…

O mercantilismo patronal

Como forma de alento, o jornalista desistiu da iniciativa privada. E resolveu prestar concursos públicos. Os federais lhe chamavam a atenção pela estabilidade e status social garantidos. Mas já no edital, ele percebeu que esta não era bem a realidade. Apesar do salário razoável das empresas públicas federais, a carga horária de trabalho desrespeitava as cinco horas diárias estabelecidas pela CLT. Em algumas destas empresas, coleguinhas trabalham até 44 horas semanais. Vê se pode?

Com filhos para criar, este jornalista decidiu partir para a luta. Filiou-se ao sindicato local e resolveu lutar por melhores condições de trabalho. Mas descobriu que o os dirigentes do sindicato foram ‘comprados’ pelo mercantilismo patronal e pouco faziam para mudar a realidade dos coleguinhas. Eles acreditavam que não há como salvar uma profissão cuja exigência mínima para o exercício é ser alfabetizado… Assim, depois de muito resistir, este jornalista decidiu trabalhar com assessoria de imprensa.

Verdade ou mentira?

Estresse e desvalorização

A historinha contada acima serve para ilustrar a realidade da nossa profissão, cujo dia foi comemorado (?) na última semana. Apesar de não tratar de nenhum caso específico, o texto tem o objetivo de chamar a atenção das autoridades para a crescente desvalorização dos jornalistas brasileiros. Desvalorização esta que já começa a repercutir na qualidade de alguns produtos editoriais. No próximo dia 3 de maio, será comemorado o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Mas como pensar em liberdade numa situação como esta?

Atualmente, a legislação brasileira não exige diploma para o exercício da profissão de jornalista. E os desmandos de empresários e políticos, que cresce a cada dia, são resultado desta desvalorização. Em Guaratinguetá, interior de São Paulo, a prefeitura acaba de lançar um concurso público com duas vagas para jornalista. Salário: R$545,00 por 44 horas de trabalho semanais. Em Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, a TV Alterosa, afiliada do SBT, lançou no ano passado duas vagas para estágio. Bolsa de R$100,00.

Que os exemplos acima sirvam de alerta. Pois se tudo continuar caminhando dessa forma, a tendência é que, cada vez mais jornalistas abandonem as redações para trabalhar em assessorias de imprensa. Afinal, em assessoria a rotina é mais ‘saudável’ e os salários, mais estimulantes. Pois ninguém sabe até quando os nossos coleguinhas estarão dispostos a tentar mudar o mundo com suas reportagens, vivendo numa rotina de estresse e desvalorização. Se tudo continuar assim, não vai sobrar jornalista nem para contar o fim dessa história.

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Jornalista, Juiz de Fora, MG