Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Erro sugere antissemitismo de Sarah Palin

Na matéria ‘Sarah Palin atiça blogosfera com alusão ao antissemitismo’, a Folha/UOL incorreu em erros jornalísticos graves, que levantam questões de controle de qualidade e controle social.

O primeiro erro, mais evidente, refere-se à explicação do termo blood libel (libelo de sangue), que induz o leitor a conclusões falsas e perigosas:

‘Embora faça parte do vocabulário aceito no idioma inglês para referir-se a uma vítima de falsas acusações, o termo segue tendo, sobretudo, uma alta carga emocional na história dos judeus. De acordo com o dicionário Oxford de religiões do mundo, blood libel (libelo de sangue) se refere à acusação – contestada por inúmeros pesquisadores – de que os judeus usavam o sangue de cristãos, particularmente de crianças, em seus rituais de Páscoa, como consta em algumas publicações antissemitas na Idade Média.’

Ora, o atenuante de que ‘a acusação é contestada por inúmeros pesquisadores’ não é nem sequer uma meia verdade. Ele é simplesmente falso e deixa no ar a possibilidade de ser verdadeiro, o que contribui para um estereótipo odioso. Sarah Palin não está praticando anti-semitismo (ver abaixo), e sim a Folha. Pergunto: a Folha descuidou-se na aplicação de seu Manual de Redação? Ou este manual não prevê esse tipo de sutilezas? Se não prevê, como provocar a discussão publicamente para que o Manual melhore?

Como assegurar a melhoria da qualidade das redações?

O segundo:

O título ‘Sarah atiça blogosfera com alusão a anti-semitismo’ não se coaduna com o texto, pois nele não se vê qualquer alusão de Sarah a anti-semitismo. Essa alusão é, na verdade, feita por críticos do uso da expressão blood libel, que, embora tenha raízes históricas em anti-semitismo, não contém necessariamente esse significado. Quem imputou esse significado foram esses críticos. O artigo deixa essa sutileza passar em branco e induz o leitor a concluir que Sarah Palin é anti-semita. Pode ser que sim, pode ser que não, mas o editor deixou passar acriticamente algo que recebeu como ‘prato feito’ pela agência de notícias.

A frase ‘Palin rompeu seu silêncio nesta quarta-feira com um vídeo no qual acusa a imprensa de um `libelo de sangue´ contra ela ao querer vinculá-la com o tiroteio do último sábado (8/1) em Tucson, no Arizona’ não traz qualquer indicação de antissemitismo da parte de Sarah Palin. O restante do texto evidencia que ela usou a expressão como sinônimo de ‘falsa acusação’. O fato relevante não é antissemitismo da sua parte, e sim, a hiper-sensibilidade dos mencionados líderes da comunidade judaica, conforme a frase: ‘Pelo menos assim acredita a maioria dos grupos judeus dos EUA, que não demorou a repudiar seus comentários. O líder da Liga contra a Difamação, Abraham Foxman, lamentou…’ Aí se deve questionar uma outra coisa: este líder é a ‘maioria dos grupos judeus nos EUA’? De onde vem essa conclusão? Por que não apurar melhor essa informação?

Ou seja, a matéria é de alta ambiguidade, suscitando ressentimentos contra os judeus, ao realçar de forma acrítica os pronunciamentos de algumas de suas lideranças que não são representativas, como o artigo faz supor.

Remeto para a questão maior: o que fazer para assegurar a melhoria contínua da qualidade das redações? Como singularizar a responsabilidade para que editores sejam cuidadosos ao liberarem suas matérias? Como dar evidência a níveis de qualidade de cada órgão de imprensa? Como criar uma autorregulação que esteja à altura do requisito democrático de liberdade de expressão sem controle externo? Ou o controle externo pode ser feito através da transparência de indicadores de qualidade?

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Consultor em Gestão do Conhecimento, São Paulo, SP