Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Escandalosa e inegável sinceridade

‘Que m… dois lixeiros desejando felicidades do alto de suas vassouras’ e ‘Dois lixeiros, o mais baixo da escala do trabalho’. Com estas duas frases o jornalista e ‘âncora’ do Jornal da Band, Boris Casoy, comentou matéria exibida pelo telejornal onde dois garis desejavam um bom ano novo a todos. Comentou sem saber que o áudio do estúdio estava aberto enquanto era exibida a vinheta do Jornal da Band ao final do bloco. Famoso pelos jargões ‘É preciso passar o Brasil a limpo’ e ‘Isto é uma vergonha’, Casoy pode ter encerrado sua carreira com este episódio. Senão, o pouco de credibilidade que tinha, agora não tem mais. No dia seguinte, se desculpou, mas de maneira protocolar: ‘Ontem, durante o programa, eu disse uma frase infeliz que ofendeu os garis. Peço profundas desculpas aos garis e a todos os telespectadores.’

É inadmissível que um profissional de comunicação (e a qualquer cidadão de bem) se permita um comentário desta natureza. Homens e mulheres que têm a incumbência de levar a informação ao público não podem exprimir tal comentário. É inaceitável. Entretanto, mais grave que o comentário, é o que move um cidadão a comentar tal coisa. Casoy não fez somente um comentário infeliz. Destilou todo seu preconceito, seu desprezo, sua soberba com escandalosa e inegável sinceridade. Se for isso que pensa sobre garis, o que dizer então de outras classes ‘desprivilegiadas’ de formação e estatura intelectual? Convencer-se de tal estatura sem tê-la (quanto maior o ego pior) é o que gera o preconceito, a intolerância, o racismo. Faz do conhecimento um bem perecível, e não o que é – intangível, multiplicador, soberano.

Apenas ‘uma frase infeliz’

Boris Casoy há décadas atua na grande imprensa brasileira. Já esteve à frente de grandes projetos e liderou equipes inteiras. Por onde passou, deixou transparecer sua inclinação ideológica pela direita, nunca negou isso. Ser de direita ou de esquerda é direito de qualquer cidadão, inclusive dos jornalistas. Esses, porém, não podem alinhar o espectro editorial a inclinações ideológicas. Sempre pairou sobre o intelecto de Casoy este alinhamento. Só isto já basta para dizer que sua credibilidade é débil. Manifestar preconceito então, é muito grave.

O problema é que Casoy é consoante com boa parte de nossa imprensa, especialmente os grandes jornais e emissoras de TV. Talvez por este motivo, o Grupo Bandeirantes não demitiu Boris Casoy. E não será nenhuma surpresa que não o faça. Talvez também seja por este motivo que os ‘jornalões’ pouco ou nada comentaram o assunto. O que é motivo de repúdio e asco por parte de leitores e telespectadores é ao mesmo tempo para as grandes editorias apenas uma frase infeliz. Mas há de chegar o dia em que este império de mentiras e cinismo cairá na vala do esquecimento, quando o caminho natural de uma comunicação social ampla e democrática substituirá os detentores do monopólios atuais.

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Jornalista, Belo Horizonte (MG)