Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Esplendor e decadência de uma revista

Nota dez para ‘As 30 melhores entrevistas de Playboy‘ (agosto 1975-agosto 2005). Fidel Castro, Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Ayrton Senna, Gabriel García Márquez, Jean-Paul Sartre, Henry Miller, Isabel Allende e Xuxa estão entre os entrevistados.

Raízes de Lula? Eis detalhes reveladores do homem que um dia seria presidente da República: ‘Quando solteiro, gostava de dançar, jogar pebolim, tomar minhas cachaças. Agora mudou. Nem isso dá para fazer. E quando tenho uma folga, quero dormir, a Marisa briga’. Um dos músicos de que não gostava seria seu futuro ministro da Cultura: ‘Não gosto de Caetano Veloso e de Gilberto Gil. Não é o tipo de música que me agrada. Eu não perco tempo ouvindo’. E para os que pensam que o presidente Lula é do signo de Libra, eis que não é bem assim: ‘Nasci em Garanhuns, Pernambuco, dia 27 de outubro de 1945, mas sou registrado como de 6 de outubro’.

E, claro, a modéstia do sociólogo Fernando Henrique Cardoso: ‘De longe sou o mais preparado para governar o Brasil. É notório. Eu não nego que tenho mais possibilidades efetivas de governar, possivelmente com mais grandeza, mas não calculo nada, nem o vôo que vou tomar’. Maconha? ‘Dei uma tragada e achei horrível. Dizer que maconha é muito grave, como fazem a esquerda e a direita puritanas, é exagero.’ ‘Há anos brigo com a esquerda. Ela pega uma bandeira e fica amarrada a ela. Mas para ser coerente, não precisa ser tolo.’

Outro modesto também se chamava e se chama Fernando, também foi presidente. ‘É preciso despertar no povo o desejo de voltar às ruas, de carregar faixas, de fazer passeata e de ir aos comícios.’ ‘A autoridade de que você se reveste quando é eleito pelo voto é algo espetacular. É diferente. Te dá moral.’ ‘Quem for meu amigo, que ande na linha neste governo, não queira cometer nenhum tipo de desatino, porque não irei permitir.’ Collor tinha 4% de preferência dos eleitores quando deu a entrevista. Seu candidato? Mário Covas!

E Fidel Castro: ‘Se ser ditador é governar por decreto, pode-se usar esse argumento e acusar o papa de ditador’. Fala típica de advogado que se defendeu a si mesmo nos tribunais de Fulgêncio Batista com a célebre peça A história me absolverá.

Só de saudade

A outra Playboy é muito diferente da antologia de entrevistas. Traz, como sempre, mulher bonita na capa, mas dentro quanta diferença com os tempos áureos em que a revista esteve dirigida por Mário Escobar de Andrade, alguém que acordava um escritor no meio da noite, perguntava se não estava incomodando, oferecia um bom pagamento por conto inédito e pedia um perfil de Maguila. Os editores que fizeram um resumo de melhores momentos da revista nesses trinta anos se esqueceram de ‘detalhes’ como esse: a Playboy oferecia narrativas curtas de consagrados e novos escritores, nacionais e estrangeiros.

O Brasil não tem mais escritores? Tem. Muitos mais. A revista é que mudou. Traz um conto de Scott Turow, insosso, mal escrito e sem encantamento algum; sem, sobretudo, as novidades que ela ousava apresentar na prosa de ficção. Com a Playboy, ao tempo em que a escolha de textos estava a cargo de profissionais como Geraldo Galvão Ferraz, que descobria talentos em muitos estados, a dieta de leitura era outra. E ao tempo de Carlos Costa como diretor de redação, o signatário arrebatou o primeiro lugar na categoria ‘cultura’ com uma matéria sobre a censura que tinha sido recusada na Veja. (Não falo para me vangloriar, ‘elogio em boca própria é vitupério’. Falo para atestar, mostrando cobra morta e pau usado, que a Playboy já foi melhor. Mas nós também já fomos melhores, quem sabe! A memória trai, a nostalgia filtra etc.).

De todo modo, quando a Playboy saiu do zero e se transformou na maior revista masculina do Brasil, tinha editores audazes, corajosos, com coragem de lançar escritores que eram apenas promessas, um livro publicado apenas. Hoje, nem os consagrados estão lá. E pouco a pouco ela vai ficando igual a todas as outras. Comprei, só de saudade, as duas na banca. Quanta diferença entre o que a revista já foi e o que hoje é! Mudou, sim, para pior. Incorre no vício terrível que assola a imprensa brasileira contemporânea que vive de escândalos e quer conquistar leitores sem textos. Se o projeto é apenas mostrar fotos, o meio escolhido deve ser outro!