Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Evolução darwiniana e involução do jornalismo

Evolução das espécies mais fortes. Em tom de reverência teológica, senão litúrgica, Veja (edição 2099, de 11/2/2009) dedicou várias páginas ao seu deus: Charles Darwin. O artigo pinta Darwin como um revolucionário; embora não fale explicitamente, sugere que Darwin está muito acima de qualquer outro cientista, como Newton, Pasteur, Von Braun, entre outros. O artigo afirma categoricamente que os argumentos por ele exarados foram definitivamente comprovados e aquilo que não foi está a caminho, ou seja, todas as pesquisas recentes da microbiologia, física quântica, bioquímica etc.’comprovam’ que tudo que Darwin falou aconteceu.

Veja simplesmente ignora Michael Behe (que escreveu A Caixa Preta de Darwin), Bayle, o brasileiro Marcos Eberlin e outros grandes nomes da ciência moderna que questionam o modelo evolucionista. Em seu afã de defender seu deus (Darwin) e sua pseudo-igreja (a Ciência) dos’hereges’, Veja usa até mesmo argumentos de Francis Collins, um dos principais mapeadores do DNA humano, um teísta declarado, que disse:’Usar ferramentas da ciência para discutir religião é uma atitude imprópria e equivocada. A Bíblia não é um livro científico. Não deve ser levado ao pé da letra’.

Se você leu o livro de Collins e se leu suas declarações por inteiro, entende que a Bíblia realmente não é um livro científico, mas a ciência apenas comprova um Criador, um Deus verdadeiro. Essa fala de Collins em nenhum momento sugere, como Veja tenta fazer crer, que a Bíblia é um livro fantasioso e sem credibilidade.

Quem questiona é retrógrado

A revista cita a angústia de Darwin com sua própria teoria, pois ele foi religioso por muito tempo; diz que biólogos viram a evolução ocorrer em tempo real em Galápagos. Mas a verdade é que mutações ocorrem em tempo real em Galápagos e em qualquer lugar, mas em nenhum momento os’tentilhões galapaguianos’ chegaram a tornar-se papagaios ou outro bicho qualquer. No início do século 20, Thomas Hunt Morgan já havia estudado 500 gerações seguidas da mosca drosophila, que apresentaram grandes variações genéticas, mas não chegaram a se transformar em nova espécie, assim como os tentilhões de Galápagos, que ainda não viraram papagaios ou’papagalápagos’.

Veja ignora que muitos cientistas são criacionistas e que muitos outros não são criacionistas, mas rejeitam o darwinismo por razões estritamente científicas (como o supracitado Michael Behe). Outros ainda são darwinistas que afirmam que o darwinismo não está respondendo às questões que se propôs responder.

A revista pinta de forma exagerada, insidiosa e irresponsável um conflito entre ciência e religião, como se todas as pessoas religiosas fossem fanáticas e medievalistas; como se todas elas tivessem ódio ao darwinismo por ser ateísta. O artigo dá a entender que um sujeito religioso rejeita que ocorre seleção, quando, na verdade, isso é amplamente aceito por cristãos esclarecidos. Diz também que os cristãos rejeitam qualquer aspecto científico sobre o qual a Bíblia não fala. É outra falácia. Cristãos crêem que a Bíblia não é um compêndio científico e buscam na ciência compreender o Criador e Sua obra em matérias a respeito das quais a Bíblia nada menciona.

Um artigo à página 88 admite que fé e ciência já dialogaram, mas esse diálogo foi superado, pois’atraso mesmo está na aceitação literal da Bíblia em questões científicas’. Admite que cientistas têm limites, mas, apesar desses limites, tudo que a evolução prega é verdadeiro; logo, quem a questiona é retrógrado, especialmente se o fizer por razões religiosas.

Igreja coloca-se’em seu lugar’

Involução (retrocesso) do jornalismo mais fraco. No dia 22 de janeiro deste ano, a sede do jornal Correio Popular, em Campinas, sofreu um atentado à bomba. Por sorte, conseguiram tirar o artefato antes que explodisse. Atentados a jornais e revistas ocorreram muitas vezes nas ditaduras pelas quais o Brasil passou e estão acontecendo com freqüência assustadora em jornais de pequeno e médio porte. Jornais estão sendo ameaçados também juridicamente, pois muitos juízes corruptos sentem-se incomodados com a imprensa.

O lamentável é quando um órgão de imprensa que deveria ser o defensor por excelência da liberdade de opinião luta contra essa cláusula pétrea do Estado de Direito que cada cidadão deve defender. Veja diz:

‘Em sua profissão de fé, eles [os que têm fé religiosa] têm o direito de acreditar que Deus criou o mundo e tudo o que existe nele. Coisa bem diferente é querer impingir [apresentar outras opiniões aos outros é impor] essa maneira de enxergar a natureza às crianças de idade escolar, renegando fatos comprovados [será??] pela ciência. Essa atitude [fazer o uso pleno da liberdade de expressão e opinião, discordando inclusive da maioria] nega às crianças os fundamentos da razão, substituindo-os pelo pensamento sobrenatural [a revista insiste em que o fato de alguém crer no sobrenatural faz desse alguém um idiota].’

Veja elogia a Igreja Católica:’A Igreja Católica aceitou há bastante tempo que sua atribuição é cuidar da alma de seu 1 bilhão de fiéis e que o mundo físico é mais bem explicado pela ciência’, e completa citando o congresso evolucionista promovido pelo Vaticano em março do ano passado.

Aí temos um fato a questionar. A Igreja Católica perseguiu cientistas e agora tenta acalmá-los colocando-se submissa a eles; a Igreja também atribuiu a si, no passado, cuidar apenas de religião, enquanto a África era massacrada pela deportação e escravização de sua população; silenciou sobre o massacre indígena no novo mundo e ficou cuidando de religião; a Igreja também vem combatendo a pesquisa de células-tronco em nome da fé; a Igreja (juntamente com outras igrejas cristãs) se manteve quieta com Hitler cuidando de religião; nas várias ditaduras impostas aos povos latino-americanos, a Igreja ficou eu seu lugar e os caudilhos gostaram muito disso. O fato de uma igreja colocar-se’em seu lugar’, permitindo a opressão, é algo a se lamentar. No caso, quando uma igreja se submete ao status quo do momento, e esse status quo pressupõe a supressão de um direito básico – o de livre expressão de conceitos e idéias – um órgão de imprensa responsável deve lamentar e não elogiar.

‘Arriscar’ todas as possibilidades

Veja abriu espaço para os dissidentes, não para mostrar o outro lado da moeda, mas para lamentar o fato de eles existirem, pois o importante é o pensamento único.

À página 84, um artigo lamenta que em escolas confessionais’Darwin é só mais uma teoria’, ignorando que para muitos cientistas (não-cristãos, inclusive) o darwinismo é uma teoria ultrapassada, e negando o fato de que muitos cientistas de renome questionam essa teoria; coisa que não ocorre com a teoria da relatividade de Einsten, por exemplo.

Veja insiste em repetir em várias de suas páginas que os cristãos estão insuflando uma luta irracional contra o darwinismo, quando o que ocorre é bem o contrário. Cita a lei da Louisiana que obriga incluírem-se teorias paralelas ao darwinismo para’ajudar o professor a criar nas escolas um ambiente que promova o pensamento crítico, a análise objetiva das teorias científicas… deve-se incentivar os alunos a analisar com objetividade as teorias estudadas’. Ora a lei foi feita porque as crianças estão sendo forçadas a se submeter-se ao pensamento único, e os pais querem que os filhos conheçam outras idéias. A revista se esquece que lá sempre houve pessoas que lutaram ousadamente por esse direito.

Veja se alegra com o fato de o filme criacionista Expelled ter sido massacrado pela crítica. Mas vale lembrar que a crítica também massacrou o filme JFK. Mesmo assim, 90% dos norte-americanos acham que houve conspiração para assassinar o presidente Kennedy, como o produtor Oliver Stone sugere no filme. A semanal lamenta também que os Estados Unidos, um país que bate todos os recordes científicos, estejam sendo’enredados’ ao permitir outras idéias sobre as origens sejam expostas. O fato é que a grandeza dos Estados Unidos consiste justamente em permitir que se’arrisquem’ todas as possibilidades, mesmo as não aceitas pela maioria.

Um dia sinistro

A revista insiste que as escolas religiosas podem ensinar criacionismo em aulas de religião, mas nunca em aulas de ciências; lembre-se de que para tudo dar certo a’religião tem que ficar em seu lugar’. Nas ditaduras foi assim e tudo deu certo. Para que essa confusão de liberdade de expressão?

O Mackenzie refuta as críticas categoricamente, dizendo que é criacionista há 138 anos, e as escolas adventistas também têm esse enfoque há mais de um século. O Ministério da Educação nada pode fazer quanto a isso, mas quer que criacionismo apareça em aulas de religião e evolucionismo, em ciências, almejando, juntamente com a revista, o pensamento único.’A triste novidade’, diz Veja,’é que, na maioria das escolas mantidas por confissões evangélicas, o criacionismo passou a ser ensinado também nas aulas de ciências e de biologia, dividindo território com o evolucionismo de Charles Darwin.’

Nessa separação ciência-religião, Veja insiste: os retrógrados religiosos podem existir desde que aceitem que suas idéias fiquem com eles e não sejam debatidas com os outros. Isso é uma educação opressora; também nega a multidisciplinaridade que faz parte da pedagogia moderna. Ou seja, devem-se contrapor várias formas de saberes de conteúdos diferentes, não dividi-los em matérias’estanques’.

Felizmente, existem muitas outras revistas e jornais para se ler porque ainda temos a liberdade de expressão e lutamos por ela. Embora os brasileiros tenham crenças diferentes, une-os a fé na liberdade plena. Se um dia tivermos o pensamento único que Veja quer, escolas serão fechadas por ditadores, grevistas serão massacrados pela polícia, jornais e revistas acabarão proibidos de circular por razões ideológicas ou políticas, juízes farão julgamentos subservientes aos caudilhos; áreas de reserva ambiental serão desmatadas porque os cientistas do poder não vêem nenhum dano ao bem comum (mesmo sem estudar o impacto ambiental); inocentes serão presos por subversão.

E as igrejas? As igrejas ficarão nos seus devidos lugares sem incomodar a ordem pública, apenas acalmando aqueles que sofrem as mazelas de uma ditadura que parecia o triunfo do bem.

Nesse dia sinistro, a revista Veja será também riscada do mapa e não poderá reclamar disso, pois o pensamento único que ela defendeu tão veementemente fechou a boca, bloqueou o computador, proibiu o jornalismo livre e independente que ela desprezou em seus dias gloriosos de liberdade, quando todos podiam expressar o que acreditavam incondicionalmente.

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Professor de escola pública, Campinas, SP