Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Ex-amante, por quê?

Sinceramente, gostaríamos de saber por que a mídia, na sua quase totalidade, se compraz em qualificar a jovem Eliza Samudio como ‘ex-amante’ do goleiro Bruno. Causa-nos indignação porque o vocábulo não é empregado no sentido de designar uma pessoa que tinha amor pelo Bruno ou que pelo mesmo era amada. Denota-se na sua aplicação uma intenção de denegrir a imagem dessa infeliz jovem. A mãe do filho do Ronaldinho Gaúcho sempre foi tratada pela mídia como ex-dançarina do programa do Faustão; a Luciana Gimenez, que procurou ter um filho com o Mick Jagger – quando ele ainda era casado – e contra o mesmo praticou verdadeira extorsão, era tratada como modelo e, hoje, modelo e apresentadora; a Suzana Vieira, a Ana Maria Braga, a Marília Gabriela, a Marta Suplicy nunca foram tratadas como amantes ou ex-amantes. Eram, sim, tratadas como namoradas e, posteriormente, ex-namoradas dos homens com os quais se relacionaram.

Mas acreditamos que nenhum outro órgão da mídia emprega vocábulo ‘amante’ no seu mais amplo sentido pejorativo do que a Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, exceção se fazendo ao apresentador José Luiz Datena, que não só, desde o início, emprestou solidariedade ao genitor da garota, mas, antes de tudo, viu naquela jovem um ser humano digno, como todos os outros, do mais sagrado direito, qual seja, o de viver, como também se viu – como todos nós estamos – sujeito a passar por semelhante situação.

Os apresentadores da rede Band fazem-na algoz (seria por determinação da alta direção?). Não se sabe se por que são fanáticos torcedores do Flamengo e obcecados por Bruno, a ponto de concebê-lo insubstituível, pelo que o veem como vítima, e não como o verdadeiro algoz; ou se são conservadores ao extremo, na medida de entenderem que, por ser Bruno ainda formalmente casado, a mulher que com ele se envolvesse deveria ser considerada destruidora de sua família e, pois, não só merecendo a pecha de ‘amante’, mas também a sorte que teve a Eliza.

Episódio macabro

Podemos optar pela última alternativa sem medo de sermos considerados levianos, uma vez que é certo que a Rede Bandeirantes sabia que o casamento do Bruno tinha caído por terra desde 2008, quando ele e alguns colegas do Flamengo protagonizaram no seu sítio cenas com prostitutas que se tornaram públicas e que, inevitavelmente, chegaram ao conhecimento de sua ex-mulher. Prova de que a rede Band sabia que Bruno levava uma vida de solteiro está contida no seu jornal virtual EBand Esporte Gente de 30/06/2010 – 17h30:

‘Nesta quarta-feira, Lidiane Rodrigues, irmã da ex-mulher de Bruno, Dayanne Rodrigues, disse à TV Band Minas que acredita na inocência do goleiro. Segundo Lidiane, a irmã e o jogador tiveram um bom relacionamento e Bruno era um marido carinhoso.’

Não se descarta também a hipótese de os jornalistas da Band (somente aqueles que se achavam no direito de detratar a pessoa da Eliza e, hoje, no direito de denegrir sua alma) se acharem tão puritanos a ponto de, pelo fato de ter encenado filme pornô, tenha a jovem perdido a condição de ser humano e, por isso, não só perdendo predicado que a credenciava a ser chamada de namorada ou ex-namorada, como também a condição de viver no seio de nossa imaculada sociedade.

Poderiam muito bem tratá-la como ‘ex-modelo’; fez algum trabalho como tal. Ou, quem sabe, talvez fosse até menos ofensivo para seus pais e familiares que a tratassem como ‘ex-atriz pornô’, pois, segundo noticiado, com isso também trabalhou e, provavelmente, dessa atividade sua família teve conhecimento. Mas não, a mídia prefere tratá-la como ‘ex-amante’, pejorativamente, como uma destruidora de lar. Segundo a sabedoria popular, à amante o amásio dispensa carinhos, bens e mordomias de que a maioria das vezes sua esposa não goza. A Eliza em relação ao Bruno era uma ‘pedinte’ e, de forma alguma, interferiu no rompimento de sua relação matrimonial.

Desse macabro episódio, a mídia poderia se valer para prestar um grande serviço à sociedade brasileira, em especial à sua juventude, qual seja, fazer ver aos jovens que à ascensão na vida – em todos os sentidos, deve se dar por esforços próprios, com estudo, habilidades e trabalho; e, também, mostrar-lhes que, a ascensão social, obtida por que meio for, não lhes dá direito a subjugar quem quer que seja e muito menos assegura impunidade.

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Advogado e auditor fiscal do Trabalho, aposentado, Salvador, BA