Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Falta apuração ao ‘jornalismo de verdade’

O programa Kajuru Liberado (TV Thathi, Ribeirão Preto, SP) da semana passada apresentou uma entrevista bombástica com o professor e candidato derrotado à prefeitura de Ribeirão Preto Fernando Chiarelli (PT do B). Teve o mérito de trazer para discussão questões que podem ser consideradas tabus na mídia da cidade – já que são simplesmente ignoradas pelo noticiário local –, mas mostrou também uma das deficiências mais cabais da imprensa local : a falta de reportagem (quero dizer: apuração, investigação jornalística).

Chiarelli é uma das figuras mais polêmicas da política ribeirão-pretana. Vereador cassado em 1995 – por ter chamado um colega da Câmara de ‘aleijado’ –, ele é talvez o único que pode ser chamado de oposição na cidade, já que quase todos os demais políticos locais costumam mudar suas posições de acordo com a situação que lhes convêm. Coincidência ou não, foi cassado pelos vereadores após fazer uma série de denúncias – entre elas uma que revelava os altos salários de funcionários do Legislativo de Ribeirão, muitos deles apadrinhados pelos parlamentares.

Por esse histórico, Chiarelli é considerado uma persona non grata na política do município. Na campanha das eleições deste ano, atacou todos os candidatos a prefeito, incluindo os que disputam o segundo turno – Welson Gasparini (PSDB) e Baleia Rossi (PMDB). Por isso, logo no início da campanha, um vereador da cidade pediu impugnação da candidatura de Chiarelli por conta da cassação de 1995. A Justiça acatou e o candidato do PT do B recorreu. A decisão final ainda não aconteceu, mas todos os votos de Chiarelli foram considerados nulos pela Justiça Eleitoral, embora possam ser contabilizados em caso de decisão favorável a ele no futuro. Em apuração paralela, Chiarelli teve mais de 12% dos votos, o que lhe daria o quarto lugar entre os seis candidatos – uma posição notável, a julgar o fato de ele ter tido pouquíssimos recursos financeiros na campanha.

Na entrevista a Jorge Kajuru, Chiarelli fez várias acusações à mídia e à política de Ribeirão. Neste relato, vou me limitar a algumas das questões envolvendo a imprensa – as relacionadas à política merecem um texto em outro espaço.

Discursos inflamados

Chiarelli começou afirmando que ‘toda a imprensa’ errou ao divulgar um comunicado da Justiça Eleitoral informando que os votos dele seriam considerados nulos. Segundo o político do PT do B, todos os veículos de comunicação afirmaram que ele estava fora das eleições. De fato, houve confusão na divulgação do comunicado. Algumas emissoras de TV e rádio informaram apenas que os votos no candidato Chiarelli seriam anulados. No entanto pelo menos o caderno regional da Folha de S. Paulo publicou a informação correta no dia da eleição.

Os ataques mais pesados de Chiarelli foram contra o radialista e político do PFL Wilson Toni, que aluga horários na TV para fazer seu telejornal e tem um programa no rádio, onde é líder de audiência – ambos chamados Clube Verdade. O ex-candidato do PT do B acusou o pefelista de faturar com a desgraça alheia. Ele se referiu ao jornalismo sensacionalista que Toni faz, conforme publicou este Observatório em agosto do ano passado [remissão abaixo]. Disse que o Clube Verdade só explora casos policiais e não acrescenta nada aos moradores da cidade. ‘Ele ficou rico à custa das desgraças do povo’, afirmou Chiarelli.

É a primeira vez que este repórter vê alguém fazendo críticas a Toni na TV, já que o pefelista parece amedrontar todos com seu estilo mordaz de destruir adversários com seus discursos. Na verdade ele utiliza o rádio e a TV para também fazer política. Quando quer atingir alguém, Toni esquece os princípios básicos do jornalismo e parte para ataques pessoais. Meses atrás, por exemplo, chamou o atual prefeito Gilberto Maggioni (PT) de ‘saquinho de pipoca’ no rádio.

Depois, apesar de o PFL estar coligado à candidatura de Baleia, Toni decidiu apoiar o mesmo Maggioni, sendo até ameaçado de expulsão por seu partido. A ‘mudança’ de atitude gerou um pergunta polêmica de Chiarelli a Maggioni num dos debates do primeiro turno. O professor perguntou ao petista quanto ele pagou para Toni parar de chamá-lo de ‘saquinho de pipoca’. Na ocasião, Maggioni não respondeu.

[Aqui cabe um parêntese para escrever o que Chiarelli não disse. Toni mistura publicidade e jornalismo em seus programas de rádio e TV. Em seu Clube Verdade, o pefelista anuncia os mais diversos produtos (de refrigerantes a planos de saúde) no meio dos programas, como se fazer publicidade em espaços supostamente jornalísticos fosse a coisa mais normal do mundo. Isso aconteceu –e continua ocorrendo – durante muito tempo enquanto o radialista tinha entre seus funcionários o responsável pelo sindicato dos jornalistas de São Paulo em Ribeirão, o mesmo sindicato que recentemente faz discursos inflamados pela ética na profissão no debate em torno do Conselho Federal de Jornalismo.]

Ir mais além

A parte mais contundente da entrevista foi quando Chiarelli afirmou a Kajuru que ‘toda a imprensa’ de Ribeirão é comprada. ‘A imprensa local é sistematicamente cevada por dinheiro público’, acusou. Disse que tem provas de tudo o que ele falou no programa, mas não as mostrou no programa. Segundo o político, a prefeitura ‘compra’ os jornais locais pagando pela publicação de editais. De acordo com o professor, os veículos de comunicação do município não cumprem seu papel. ‘[A imprensa de Ribeirão] é literalmente a favor do poder estabelecido.’

Kajuru perguntou se não há exceção na cidade e Chiarelli respondeu: ‘Se tiver eu estou fazendo uma covardia. Eu não conheço.’ O apresentador ainda questionou se não há um jornalista na cidade que seja exceção. Resposta: não.

O público ribeirão-pretano pode não confiar nas declarações de Chiarelli. Até porque o professor exagera em muitas delas e às vezes põe sua credibilidade em xeque. No Kajuru Liberado, chegou a ser preconceituoso ao sugerir que um político local é homossexual. Acertadamente, foi cortado por Kajuru. O jornalista alegou que questões pessoais como a suposta homossexualidade de alguém não tinham interesse público e que, por isso, não deveriam ser tratadas no programa.

Pode ter muita verdade no que Chiarelli disse. De fato a imprensa local é muito oficialista, pouco crítica e muitas vezes parece estar de mãos dadas com o poder público. Mas há exceções. No caderno regional da Folha de S.Paulo – onde trabalhei por quase dez anos até 2003 – não existe o que Chiarelli disse existir. Lá se faz jornalismo. Ponto. Não posso falar pelos demais veículos porque não os conheço. No mínimo, porém, Chiarelli errou ao incluir a Folha nessa lista.

Suas declarações merecem, no entanto, um alerta. Se há alguma verdade no que afirmou Chiarelli, é dever da imprensa apurar e investigar. Nesse caso, a primeira obrigação é, penso, da equipe do programa Kajuru Liberado, que levou as declarações ao ar. Outros veículos da cidade deveriam fazer o mesmo.

O jornalista Jorge Kajuru já contribuiu positivamente para a sociedade ribeirão-pretana levando ao ar uma entrevista com Chiarelli. Assim como agiu corretamente ao fazer entrevistas de fato jornalísticas com os candidatos Gasparini e Baleia na semana retrasada [remissão abaixo].

No entanto, fazer ‘jornalismo de verdade’ – como Kajuru tem anunciado em seus programas na TV Thathi – é mais do que entrevistas e declarações polêmicas. Se Kajuru quiser continuar cumprindo seu papel social terá que investigar – ou tentar, pelo menos – o que Chiarelli afirmou na entrevista concedida. Porque senão fica fácil levar uma pessoa polêmica ao programa para falar um monte de coisas sem provas. Jornalismo de verdade é muito mais do que isso.