Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Felipe Massa e a missa do papa

‘Felipe Massa abre mais seis décimos de vantagem sobre Hamilton nesta volta e segue firma para vitória’, bradava com emoção Galvão Bueno ao transmitir o Grande Prêmio de Fórmula 1 da Espanha pela TV Globo, no domingo, 13 de maio, de dias das mães. Mas, de repente, sua voz torna-se suave e sem vibração alguma. ‘Agora, devido à missa de que Sua Santidade Bento 16 participará em Aparecida, vamos interromper a transmissão da corrida e logo após mostraremos um compacto com os melhores momentos…’

A imagem da cidade de Aparecida do Norte surge na tela. Procurei em canais fechados para torcer por Massa, mas nenhuma emissora retransmitia o GP. Desliguei a TV, mas não me saía da cabeça o fato da Globo cortar uma corrida ao meio, mesmo que fosse para uma missão divina. Acompanho a Fórmula 1 desde criança, tenho só 23 anos, e não me lembrava de algo parecido. Madrugada, manhã, tarde, as corridas sempre tiveram destaque na programação global. E como ficaram os patrocinadores, a equipe deslocada para a Europa, o ego dos apresentadores, a audiência? Algo ali estava mal explicado.

Pois bem, navegando pela Internet no dia seguinte, deparo com o site do diário esportivo Lance com a seguinte manchete: ‘F-1: TV Globo tentou atrasar missa do Papa’. A notícia, assinada pelo jornalista Fred Assina, revela que o corte na transmissão havia rendido muita polêmica e que, segundo a empresa que detém os direitos de transmissão da F-1, a Globo tentou adiar a missa do Papa. A cúpula de Sua Santidade não aceitou, alegando que a programação da visita ao Brasil já havia sido estipulada há muito tempo. A notícia foi também publicada no blog do jornalista, que a conclui com a seguinte opinião: ‘Visita do Papa à parte, a verdade é que eu e todos que amam o automobilismo ficamos privados de assistir ao vivo à metade final da corrida. E, vamos concordar, ouvir o Tema da Vitória em VT é que nem mascar chiclete sem tirar o papel…’

A montanha vem a Bento 16

Dois pontos devem ser ressaltados nesse episódio. O primeiro refere-se ao agendamento massivo que a visita de Bento 16 gerou e a tentativa de se criar uma imagem de um papa simpático e acolhedor. Devem ter levado padres, bispos, coroinhas, estudiosos da igreja para as reuniões de pauta dos telejornais. Só se tratava desse assunto. E a Fátima Bernardes, chique como sempre, ancorando o Jornal Nacional do mosteiro, de Aparecida. O país, literalmente, parou. As guerras civis cariocas perderam importância. O Congresso parece não ter trabalhado, nada discutido, nada aprovado. A economia continuou a mesma chatice de sempre, o dólar deve ter caído um pouquinho. Nada de surpresas. A chama católica deveria ser reavivada nos corações tupiniquins. A igreja brasileira tinha que mostrar sua força para o mundo, dar um exemplo de fé. O estranho é que, desta vez, o Estado até ficou com um pé atrás nessa visita. O presidente Lula mal apareceu na companhia do Santo Padre… Mais uma vez, alguma coisa estava errada.

O segundo ponto relaciona-se com o poder que a Rede Globo de Televisão reafirmou nos nossos meios de comunicação. Sua repórter veio e voltou no avião do Vaticano, participando de uma coletiva aérea e recebendo cumprimentos de Bento 16. Imagens inéditas também só foram veiculadas pela emissora carioca. E ela quase consegue mudar a hora da missa do Papa para não deixar de transmitir a vitória do Felipe Massas e o Tema da Vitória em Barcelona. O que o dinheiro e os interesses misteriosos não fazem… No blog do Lance, um usuário chamado Marcelo R. comenta: ‘Só faltava isso, adiar o compromisso do papa para passar o GP… Essa emissora me surpreende…’ A verdade é que se o papa não vai até a montanha, a montanha vem até o papa.

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Estudante de Jornalismo da Universidade Fumec, Belo Horizonte, MG