Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Filme de aventura

Sugestão para quem sonha com uma experiência como herói de filme de aventura: tente fazer cinema na vida real do Brasil. Embarquei nessa viagem depois de quatro anos produzindo dezenas de comerciais para as maiores agências do país, centenas de vídeos institucionais, mais de 50 programas para TV, além de curtasmetragens e musicais. Desde 2007, tento viabilizar projetos para o cinema, a parte aguda da aventura. Acreditem: Indiana Jones perde.

A odisseia começa na batalha do dinheiro para produzir. O sistema de incentivo à cultura no Brasil tenta se proteger de leviandades, usando a experiência como predicado. Quanto mais ‘estrada’ o produtor tiver, melhores serão as condições para captar recursos a serem aplicados em projetos futuros. Errado? Não. Incompleto? Sim.

Falta contemplar quem quer iniciar honestamente uma carreira autônoma, independente, na produção cinematográfica. Conseguir os tais pontos adotados pela Ancine como comprovação de experiência é missão para herói. No início do ano, surgiu uma chance mais preciosa da Carioca Filmes em seus quatro anos de vida: um documentário sobre as passistas do carnaval do Rio. A proposta veio do diretor Walmor Pamplona e do jornalista Aydano André Motta, um apaixonado especialista nas coisas do samba.

Regras do jogo

Mesmo sem patrocínio, topei a parada e fomos à luta. De abril a dezembro, entre outros lugares, estivemos no Morro da Mangueira, em Madureira e Nilópolis (endereços de algumas de nossas principais escolas de samba) e montamos Mulatas! Um tufão nos quadris’. Os relatos que surgiram nas entrevistas de nossas 13 estrelas delinearam um mundo de ritmo e beleza – como esperávamos –, mas com doses surpreendentes de solidão, melancolia e preconceito. Personagens riquíssimos, as mulatas encantam muito além do papel de musas da nossa maior festa, com histórias reais, que caberiam na ficção mais emocionante.

Com a determinação de uma equipe competente e dedicada, encaramos longas jornadas, dividindo o trabalho com o dia a dia da produtora – publicidade, videoclipes, etc – e, agora no fim do ano, temos o documentário praticamente concluído. Quase um milagre. Há três meses, botamos um teaser de três minutos no YouTube (assista você também), que já está com quase 4 mil exibições, referendo ao potencial que enxergamos na produção. Mas agora é que vem a parte mais difícil: conseguir recuperar o dinheiro investido e mais um pouco, para as despesas que virão. Ser bem relacionado, ter entrada com possíveis patrocinadores, apresentar um projeto consistente – tudo isso não basta. É preciso enfrentar um oceano bravio de burocracia em busca de certidões, balanços, registros e documentos que são o mais valioso para as autoridades do setor. Por vezes, parece uma gincana.

Como se diz no mundo do samba, que estou conhecendo agora, ‘compramos o barulho’ do documentário e agora, na hora de exibi-lo nos cinemas, mudo meu ‘personagem’: de herói de aventura passo a me sentir como o marisco, imprensado entre o mar e o rochedo. Cenas dos próximos capítulos: achar um lugarzinho nas salas que preferem os blockbusters de Hollywood ou produções estreladas por famosos da nossa TV.

Mas vamos conseguir um espaço, porque empreendedor que se deixa contaminar pelo pessimismo não pode nem sair da cama. Estamos em busca de um distribuidor, profissional que faz os contatos com os cinemas e consegue o cobiçado espaço. A missão seguinte será prover a estrutura para exibição do filme (cartazes, anúncios em jornais e sites, trailer), que, então, estará pronto para chegar ao público. E olha que, de cada ingresso vendido, o produtor, responsável pelo produto que leva as pessoas ao cinema, recebe, na melhor das hipóteses, 25%.

Botar de pé um projeto com essa ambição tem o valor da realização de um sonho. E nós conseguimos. Se as regras do jogo fossem menos espartanas, mais pessoas chegariam lá. E o cinema brasileiro contaria um número maior de finais felizes.

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Diretor da Carioca Filmes e produtor de cinema