Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Fofoca e eleição de 2010

O arqueiro que dispara uma flecha sabe que não tem como fazê-la recuar ao arco. Com o jornalista tarimbado e responsável acontece algo semelhante, principalmente quando se trata da flecha da calúnia. Na noite do último domingo (01/11/2009), o jornalista Ricardo Noblat, autor do blog político de maior audiência no Brasil, escreveu quatro comentários seguidos no seu twitter (@BlogdoNoblat). Era para tratar de um assunto que havia pipocado durante aquele dia na rede social mais em voga atualmente. No limite dos 140 caracteres de cada post, Noblat contou o seguinte:

‘Passei o dia atrás da história da suposta agressão de Aécio Neves à namorada. Ouvi seis pessoas que estavam na festa do hotel Fasano. Resposta delas: não viram nada. Há pouco, localizei Aécio e a namorada, Letícia. Os dois passam o fim-de-semana em Florianópolis. `Isso é uma nojeira. Não aconteceu nada. Meu azar foi me apaixonar por um político´, me disse Letícia. Aécio não quis comentar.

Letícia disse mais: `Isso me parece exploração política.´ Berzoini, presidente do PT, deu a notícia no seu twitter.’

De fato, o petista Ricardo Berzoini havia publicado três comentários, também seqüenciais, reproduzindo as acusações veiculadas naquele dia pelo jornalista Juca Kfouri em seu blog e em seu twitter. Coube a Berzoini se explicar logo em seguida:

‘O Sergio Guerra, presidente do PSDB, me ligou assegurando que é falsa essa notícia do Aécio publicada no blog do Juca Kfouri. Creio que assuntos desse tipo devem ser sempre bem apurados, para evitar que se cometam injustiças. Kfouri é um jornalista experiente. Mas as versões de fatos sempre podem ser apimentadas pelas supostas testemunhas. Cabe ao jornalista avaliar suas fontes.’

A flecha da calúnia escapuliu

É inacreditável, mas quem quiser pode conferir os fatos no twitter de ambos. Presidente de um grande partido brasileiro e político calejado, com décadas de militância, Ricardo Berzoini reproduziu um ataque sem qualquer fundamento à reputação de Aécio Neves, potencial adversário da petista Dilma Roussef na disputa eleitoral de 2010. Momentos depois, afirmou, candidamente, que ‘assuntos desse tipo devem ser sempre apurados, para evitar que se cometam injustiças’, pois ‘as versões dos fatos podem ser apimentadas pelas supostas testemunhas’.

Se realmente acredita nesse procedimento, por que, então, Berzoini não apurou melhor antes de passar adiante a história fantasiosa?

A resposta é simples: a internet virou uma máquina de triturar reputações, e salve-se quem puder. O comportamento do presidente do PT é típico dessa nossa era dos vorazes liquidificadores digitais. Antes, uma fofoca nascia numa roda de comadres, amigos ou colegas de trabalho e podia levar semanas para chegar a uma coluna social. Publicada, contudo, manteria seu status de fofoca – o tempero da vida, como alguém já disse – e não mais que isso. Hoje, com a velocidade dos blogs, do Orkut e do twitter, tornou-se muito fácil plantar fofocas na internet e ter uma colheita garantida de malefícios contra a reputação alheia.

No mundo da internet, não há a menor relevância se uma fofoca não vier a ser comprovada. Na seara digital, poucos são os que se dispõem a fazer, como Ricardo Noblat, que entrevistou seis pessoas presentes na festa da Calvin Klein no hotel Fasano. Depois de localizar e conversar com elas, Noblat saiu de mãos abanando, mas pelo menos não induziu seus leitores ao erro. E o que fez Berzoini? Ora, a flecha da calúnia escapuliu do seu arco antes da hora… E agora, paciência!

A morte do ônus da prova

Noblat e Berzoini tiveram atitudes diferentes, mas não é pelo fato de um ser jornalista e de o outro ser um político. A posição de ambos exige seriedade, respeito à lei, rigor e compromisso com a verdade. Noblat mostrou que está a serviço de seus leitores. Berzoini comprovou que trabalha apenas para tentar demolir a imagem de Aécio Neves, pré-candidato de um partido adversário na corrida presidencial de 2010.

Certamente, foi preciso esforço organizado para fazer uma acusação dessa gravidade contra Aécio andar sem nenhuma comprovação e sustentação nos fatos. Nas redações da imprensa, sabe-se que a plantação da história da suposta agressão durou vários dias sem qualquer sucesso. Outros jornalistas receberam a ‘dica’ e, obviamente, correram atrás para tentar confirmar, mas em vão. À semelhança de Noblat, não acharam quem tivesse visto e testemunhado a tal cena. Os onipresentes paparazzi dessa vez não tinham fotos, nem mesmo se tratando de um evento fashion de celebridades, da Calvin Klein, no templo do hotel Fasano. Não havia sequer uma mísera ‘fotinha’ de celular, dessas que sempre aparecem em tais ocasiões, tiradas pelos simples mortais.

A ausência de qualquer forma de comprovação impede um boato de virar notícia na imprensa responsável. O que é bom para todo o país. Mas nesse caso, a esse argumento, numa absurda inversão de valores, a aparentemente organizada rede de distribuição da acusação responde, nos últimos dias, com um mantra: a imprensa está blindando o assunto! E ponto final. E a morte do ônus da prova!

Baixarias na internet

A politização do assunto é evidente. Governador muito bem avaliado em seus dois mandatos, com uma pré-candidatura muito consistente à Presidência da República, Aécio Neves está sendo vítima de uma campanha orquestrada que busca transformar uma fofoca sem fundamento em tema da sucessão de 2010 para abalar suas legítimas pretensões de concorrer ao Planalto.

Não é à toa que as acusações buscam atingi-lo naquilo que mais o diferencia de seus adversários Dilma Rousseff e José Serra: a simpatia, a delicadeza no trato com as pessoas, o espírito de conciliação. Ao mirar esses atributos inquestionáveis, a reprodução da fofoca tenta transformar Aécio num cara antipático, nivelando-o nesse particular com Dilma e Serra. Sem falar que se almeja também tirar de Aécio a natural simpatia feminina. Se considerarmos que ainda falta quase um ano para a votação de 2010, os tristes e pesados ataques pessoais que marcaram as eleições de 1989 poderão parecer um mero conto da carochinha diante das baixarias que parecem se anunciar no horizonte da internet. Sir Winston Churchill não conheceu o twitter, mas a frase seguinte cabe em 140 caracteres. ‘A mentira roda meio mundo antes da verdade ter tido tempo de colocar as calças.’

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Empresário, estudante de Comunicação Social na PUC-Minas e estudante de Direito na Faculdade Milton Campos, Belo Horizonte, MG