Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Fortaleza sem ônibus; internautas sem notícias

No final da manhã da última terça-feira (06/05), o motorista do táxi me avisa: ‘Acabei de saber por rádio que os motoristas e cobradores de ônibus entraram em greve.’ No caminho, já era possível observar as conseqüências da notícia dada pelo taxista: trânsito infernal, mesmo com poucos coletivos circulando.

No início da noite, a paralisação tomou corpo e a cidade perdeu seu fluxo costumeiro. Estima-se que mais de 500 mil pessoas tenham ficado sem transporte. Pela janela do ônibus da linha Campus do Pici-Unifor, uma das poucas em funcionamento, pude ver o movimento de uma cidade parada. Congestionamento intenso durante todo o percurso, longas filas nos pontos dos ônibus, com pessoas à espera de poder exercer o direito de serem passageiras. As topics, veículos de transporte alternativo que dão suporte ao já falido sistema de transporte urbano de Fortaleza, pareciam botes salva-vidas ao coletar pequenas multidões.

Fortaleza estava imersa em um fato jornalístico absolutamente hiperlocal, pensei, e logo que consegui chegar ao meu destino, tratei de buscar na internet informações que pudessem me orientar sobre o que estava acontecendo. Antes do Google, preferi acessar o site do O Povo, um dos três portais de notícias da cidade. O mar de informações da web não estava para o peixe que me interessava. Que cardume, que nada; pesquei apenas uma única noticiazinha, publicada às 17h24, sob o título sem verbo nem impacto ‘Manifestações nos terminais de Fortaleza’ (http://www.opovo.com.br/fortaleza/786558.html).

‘Leia mais’…

Como assim? A cidade parada, pessoas sem saber como voltar para casa, funcionários saindo mais cedo do trabalho e uma única notícia gerada pela redação online do jornal O Povo, o mais tradicional da cidade? O que mais me intrigava era saber que, na mesma grande sala onde fica a redação online, repórteres, fotógrafos e editores da versão impressa do jornal certamente estariam absolutamente envolvidos na cobertura do fato. Para o internauta ávido por informações sobre o caso, um consolo: às 20h38, mais uma notícia publicada: ‘Polícia Militar dará apoio à Guarda Municipal para evitar mais tumultos’ (http://www.opovo.com.br/fortaleza/786621.html).

O resultado do empenho da equipe, contudo, pôde ser visto pelos leitores mais insones na madrugada, quando a edição foi ao ar na internet à 01h28. A maioria do público, no entanto, leu o conteúdo ao longo do dia seguinte, acessando o site do jornal O Povo. Na versão impressa, matéria de capa, com direito a layout especial e título contundente: ‘Vandalismo e revolta: o dia em que a cidade parou’ (http://www.opovo.com.br/opovo/img_capa/CAPA_PEQ.JPG). No miolo da edição, três páginas inteiras e destaque na coluna ‘Política’, assinada pelo jornalista Fábio Campos. Na versão para web, a matéria principal (http://www.opovo.com.br/opovo/fortaleza/786771.html) foi dividida em sete textos, linkados entre si através do ‘leia mais sobre este assunto’, localizado ao final de cada página.

Atualização esparsa

No mínimo, intrigante: o dia em que a cidade parou foi 6 de maio, mas, mesmo em tempos de internet, os fortalezenses tiveram de esperar o dia seguinte para saber notícias sobre o caos. Essa constatação instiga uma reflexão sobre as relações possíveis entre jornalismo online e impresso em cidades como Fortaleza, que não possuem um portal de notícias robusto, capaz de fazer notícias chegarem ao público em tempo quase real. Um dado a considerar: na capital cearense, o jornalismo online convencional fica a cargo dos portais O Povo, Verdes Mares e Ceará Agora. Os dois primeiros são descendentes e vinculados aos dois grandes jornais impressos em circulação na cidade, O Povo e Diário do Nordeste. O terceiro portal, Ceará Agora, pertence ao grupo de comunicação Cearasat, que detém a maior rede de emissoras de rádio via satélite do estado em parceria com o Grupo SomZoom Sat.

Na quarta-feira, a greve continuou. E mais uma vez não foi possível acompanhar os desdobramentos da paralisação ao longo do dia. Comparado ao dia anterior, o volume de conteúdo publicado na internet pelos três já citados portais foi maior, mas a atualização continuou sendo esparsa:

O Povo

10h20 – Ônibus começam a ser retirados dos terminais

(http://www.opovo.com.br/fortaleza/786806.html)

14h46 – Sindiônibus: Negociação é difícil, porque ninguém assume a responsabilidade

(http://www.opovo.com.br/fortaleza/786831.html)

15h47 – Confira pontos de operação da AMC e vias tráfego lento

(http://www.opovo.com.br/fortaleza/786847.html)

18h51 – Procurador vai pedir ilegalidade da greve

(http://www.opovo.com.br/fortaleza/786885.html)

Imprensa online quase inexistente

Verdes Mares

10h32 – Jornalista questiona ações da PM na greve dos motoristas de ônibus em Fortaleza; confira vídeo

10h40 – Sindiônibus vê ilegalidade na greve dos motoristas; confira vídeo

Sem horário – Funcionários do sistema de transporte coletivo estiveram reunidos na sede da Central Única dos Trabalhadores.

21h03 – Motoristas anunciam que a greve deve continuar

Ceará Agora

06h58 – Greve dos motoristas é tema de editorial do Alerta Geral

09h48 – Ônibus: Greve em Fortaleza atinge usuários em Caucaia

15h16 – Grevistas e Sindiônibus reunidos no Ministério Público do Trabalho

Se o jornalismo online já oferece concorrência explícita para o jornalismo impresso no que se refere a fatos nacionais e internacionais, o exemplo da paralisação dos ônibus em Fortaleza, ocasionada pela greve de motoristas e cobradores, pode servir como objeto para se pensar a função do jornalismo na internet quando se trata do noticiário local. Fatos de repercussão nacional, noticiados ao longo do dia pela internet, exigem dos jornais impressos enfoques diferenciados e mais aprofundados. Em locais onde a imprensa online é praticamente inexistente, e quando existe está nas mãos dos mesmos grupos proprietários dos jornais impressos, a disputa ainda parece que vai demorar a se acirrar.

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Jornalista, Fortaleza-CE