Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

‘Fulano tem que se explicar é pro Brasil’

Ouvi a frase do título duas vezes em menos de semana, sobre assuntos diferentes. Ambos se referindo a protagonistas de polêmicas picuinhosas e radicalmente desimportantes.

A primeira foi em relação à escultural Luma de Oliveira, e os porta-vozes do Brasil nos programas de fofoca cobravam dela explicações sobre sua separação, sobre um bombeiro felizardo e sobre ter inventado que estava grávida para não desfilar no Sambódromo.

Algo que foi anunciado como uma reportagem investigativa mostrava um repórter acompanhado de funcionário de um hotel de luxo, com imagens das suítes onde os artistas costumam ficar de vez em quando e informando ao ávido público que não foi possível saber, pelos registros do hotel, se Luma tinha mesmo se hospedado lá com o bombeiro.

A segunda foi em relação ao Zeca Pagodinho, e os publicitários porta-vozes do Brasil querem que ele explique ao atônito país por que diabos foi fazer propaganda da Brahma se tinha resolvido experimentar a Nova Schin. Dizem que o Brasil está nervoso querendo saber o motivo da traição.

Ainda vou morar lá

Tudo devidamente embalado por um esgrimir de peças publicitárias e um mistério sobre quanto o compositor de Vai vadiar teria ganho para trair assim de maneira, oh, tão pérfida! o compromisso de fidelidade à cerveja – que teria assumido com o público indefeso num comercial popular.

Há alguns meses, fui a uma aula de sueco e fiquei intrigado ao folhear o maior jornal daquele país. A professora, sueca de nascimento, explicou que quase toda a imprensa lá é voltada a esportes e celebridades.

Sempre tive a Suécia como um país de instituições e condições de vida invejáveis. Não fechava, na minha cabeça, que um país com o grau de civilização que eu imagino tivesse sua maior imprensa comparável ao The Sun. Mais tarde, conversando com algum colega sobre o assunto, caiu a ficha: em país onde tudo funciona, que graça tem o noticiário político? O que dá ibope é escândalo de celebridade.

Agora descubro um país mais próximo que tem a mesma natureza. Invejo o Brasil. Aparentemente esse país não tem mais nada com que se preocupar, exceto com pseudofatos publicitários e marquetosos, e espera atônito as explicações de uma sobre sua vida conjugal e de outro sobre a marca cerveja que bebe.

Um dia ainda vou morar lá. Nem que seja só para saber se o Zeca e a Luma cumpriram seu dever cidadão de explicar por que trocaram de patrocinador.

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Jornalista freelance