Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Futebol e mídia
na marca do pênalti





O Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (08/09) pela TV Brasil discutiu o panorama atual do futebol brasileiro. Problemas antigos, como a desorganização na administração dos clubes, ocupam rotineiramente as páginas dos jornais. Mas a mídia pressiona os times para um maior profissionalismo no chamado ‘país do futebol’? Por que um esporte que movimenta milhões de reais não consegue gerar lucro para os seus clubes? Outro ponto polêmico é a política de televisionamento dos campeonatos. A quem
interessa o atual modelo?




O debate ao vivo contou com a presença de três profissionais que têm a trajetória marcada pela ligação com o esporte. No Rio de Janeiro, participaram Walter de Mattos Jr e Elena Landau. Walter de Mattos Jr é diretor-presidente e criador do jornal Lance!, o primeiro diário nacional de esportes do país e atualmente o maior veículo do segmento esportivo na América Latina. Economista com pós-graduação pela London Business School, Elena Landau é economista e advogada. Sócia do escritório Sérgio Bermudes, é professora da FGV do Rio. Escreveu colunas sobre futebol para o no.com e para o site do Jornal do Brasil. Em São Paulo, pela internet, o convidado foi o jornalista Juca Kfouri, que tem mais de 39 anos de profissão. Kfouri escreve para o caderno ‘Esporte’ da Folha de S. Paulo. Participa do programa ‘Linha de Passe’ e apresenta o ‘Juca Entrevista’, ambos na ESPN. Também apresenta o ‘CBN Esporte Clube’ na Rádio CBN e mantém um blog no portal UOL.


No editorial que abre o programa, o jornalista Alberto Dines questionou se futebol é ‘paixão’ ou negócio. ‘O ideal seria que fosse as duas coisas. Desde as origens do rude esporte bretão no nosso país, o amadorismo dá o tom. Os clubes cresceram, construíram estádios, aperfeiçoaram campeonatos e ganharam milhões de torcedores e, mesmo assim, estamos anos luz atrás dos coirmãos europeus. O resultado se vê dentro das quatro linhas: os maiores craques do planeta jogam no velho continente’, criticou. Dines ressaltou que times como o Flamengo, que tem cerca de 50 milhões de torcedores, não conseguem dar lucro. ‘Está na hora de repensar o futebol brasileiro. Alguns tabus precisam ser derrubados. Se não for a mídia, quem o fará?’, disse.


O panorama argentino


Em entrevista por internet, o jornalista Ariel Palacios, que vive em Buenos Aires, explicou que recentemente o governo argentino comprou os direitos de transmissão dos jogos por 600 milhões de pesos. ‘`Temos o acesso livre do esporte mais importante dos argentinos!’ Esta foi a forma como a presidente Cristina Kirchner apresentou – e festejou – recentemente, o acordo entre o Estado argentino e a Associação de Futebol da Argentina (AFA)’. Palacios explicou que o acordo estatiza as transmissões dos jogos de futebol por dez anos, acabando abruptamente com o acordo que a AFA manteve desde 1991 com a empresa TSC, e que implicava no pagamento de US$ 59 milhões por ano aos clubes e à AFA.


‘Essa empresa pertence à Torneos e Competências e o Grupo Clarín, este último o maior grupo multimídia da Argentina, e com o qual a presidente Cristina e seu marido e ex-presidente Néstor Kirchner mantiveram uma estreita aliança entre 2003 e 2008, mas ao qual declararam guerra no ano passado’. Palacios disse que o governo ofereceu quase três vezes mais do que a empresa privada pagava para que a AFA encerrasse seu contrato com a TSC. Segundo a presidente Cristina, os lucros obtidos com a transmissão do futebol pelo canal estatal de TV, além dos canais de TV aberta aos quais o governo revenderá o sinal, serão divididos em partes iguais para a AFA e para o estímulo dos esportes olímpicos. A oposição, segundo o jornalista, duvida que esse dinheiro tenha tal fim.


Ariel Palacios explicou que o estopim desta mudança drástica no cenário do futebol argentino foi o estado de falência dos clubes argentinos. A primeira alternativa foi pedir mais dinheiro para a TSC pela transmissão dos jogos, mas a entidade rejeitou o pedido. ‘O ex-presidente Kirchner viu que essa era a oportunidade de ouro para conseguir mais popularidade com um golpe de efeito tal como o futebol gratuito para os telespectadores. ‘`Gratuito` é uma forma de dizer, pois o dinheiro dos contribuintes será desviado para o pagamento de US$ 1,5 bilhão até 2019 à AFA’, explicou. Além disto, o governo já começou a destinar subsídios milionários aos clubes de futebol, em caráter de emergência, para impedir a bancarrota dos clubes. Palacios contou que os partidos da oposição criticaram a medida. Acusaram o governo de tomar uma medida populista e aplicar uma ‘política de pão e circo’.


Os problemas que a mídia não vê


No início do debate ao vivo, Dines perguntou para Elena Landau como colocar ‘para funcionar o futebol brasileiro fora do gramado’. A economista avalia que a maioria das propostas apresentadas tem efeito apenas de ‘maquiagem’. Atacam o entorno do futebol, mas não se fixam na estrutura do esporte. Raramente focam problemas institucionais como representação, arbitragem, modelos de gestão dos times, falta de transparência das finanças dos clubes e de entidades como a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), indisciplina dos jogadores e má qualidade dos campos.



‘O torcedor na verdade é um peão que é movido e a mídia joga com esse peão. Ela deixa os reis e rainhas fora do jogo é dá aquela `noticiazinha` do dia a dia do futebol’, disse. A cobertura da imprensa, na avaliação da economista, contribui para a perpetuação do quadro. É ‘uma mídia que fala para o torcedor’. Os veículos de imprensa questionam qual jogador será convocado, se o técnico ‘vai cair’ ou se deve permanecer à frente do time, mas raramente tratam dos problemas institucionais do futebol brasileiro. Publicam que os jogadores estão com os salários atrasados, por exemplo, mas não explicam os problemas de gestão que levaram à inadimplência.


Juca Kfouri avalia que há um problema grave no modelo de gestão do esporte e que os governos tratam o futebol de maneira paternalista. ‘Dão Timemania, leis de incentivos ao esporte e não exigem nada em troca. Não exigem nenhuma contrapartida na transparência, nas punições’, criticou. A arbitragem é parte do problema. É uma forma de exercício da cartolagem. Segundo Juca, em países ‘mais civilizados’, como a Inglaterra, a arbitragem é terceirizada, profissionalizada. Não há ingerência de federações.


Novos modelos de gestão


O jornalista explicou que há diversas maneiras de administrar o futebol. Uma delas, o clube-empresa, foi adotado por times como o Manchester United, que têm ações na bolsa de valores. Já o Barcelona e o Real Madrid não são clubes-empresas, mas são geridos como tais por imposição da legislação espanhola. Têm a obrigação de investir os lucros no seu departamento de futebol profissional. ‘Aqui no Brasil nós não temos nada disso’, lamentou.


Times com grande potencial estão constantemente envolvidos com dívidas milionárias. Os clubes estão falidos enquanto seus cartolas ‘nadam em dinheiro’. ‘Esse nosso modelo não é muito diferente daquele que vemos no Senado e no governo federal. O governo federal, que fez generosamente o Estatuto do Torcedor, fez uma lei da moralização do esporte, hoje anda de braços dados com essa gente em troca de uma Copa do Mundo ou um jogo de futebol no Haiti com a seleção brasileira’, censurou Kfouri.


Walter de Mattos Jr. confessa que chegou a acreditar que haveria uma mudança no quadro do futebol brasileiro por meio da ‘vontade do governo’. No final da gestão Fernando Henrique Cardoso, mudanças importantes foram empreendidas e permitiram que as ‘caixas-pretas’ dos clubes fossem parcialmente abertas. Desde 2003, os balanços dos clubes são obrigatoriamente divulgados. ‘Os esqueletos começaram a sair do armário. Ainda se criam novos esqueletos porque a má gestão cria dívidas cíveis e trabalhistas que vão se acumulando, é sempre uma surpresa nova’, disse.


Quem é o dono dos clubes?


Na Europa, foi adotado o modelo de sociedades anônimas desportivas para solucionar problemas no modelo de gestão. Os clubes passaram a ter ‘donos’. Estruturas privadas são responsáveis pela administração. Há clubes que não seguem este modelo, mas seus dirigentes são responsabilizados por eventuais déficits. Para concorrer à eleição, por exemplo, é necessário que uma junta diretiva se responsabilize financeiramente por qualquer tipo de passivo para não colocar em risco o sistema do futebol.


O diretor-presidente do Lance! acreditava que, com a indução às sociedades empresariais no Brasil, a ‘estrutura feudal’ vigente no país poderia ser alterada. ‘Ela não será modificada a partir da vontade dos dirigentes esportivos. Ela vai mudar por uma regra capitalista. Hoje os clubes são `privatizados` nas mãos dos dirigentes, só que eles não botam dinheiro, não assumem risco algum e não cobrem os passivos que geram, deixam para o próximo’, criticou.


Dines levantou o tema dos direitos da transmissão dos jogos de futebol pelos canais de televisão. Elena Landau disse que a estatização não é necessariamente a melhor solução. O modelo adotado atualmente no Brasil faz com que os clubes passem a depender de uma única fonte de renda. Em outros países, a ida ao estádio de futebol é contabilizada pelos clubes como um dia inteiro de evento.


Os horários são planejados para ‘levar o torcedor para dentro do campo’. O transporte público é organizado, há comércio voltado para o evento. ‘Por causa da televisão, ninguém vai ao Engenhão às dez horas da noite’. Os clubes precisam ter outras rendas senão os direitos televisivos. Como os clubes de futebol são mal geridos, não conseguem negociar com as emissoras de televisão.


Relações promíscuas


Juca Kfouri avalia que a questão da ‘tele-dependência’ é um problema em todo o mundo, uma vez que a televisão é a ‘grande parceira’ do futebol. No Brasil, há uma confusão entre ter os direitos de transmissão e ‘ser sócio de quem te vende os direitos de maneira tal que você não critica o sócio’. Para Kfouri, este é um problema que a Rede Globo enfrenta. O jornalismo esportivo da emissora é ‘bajulatório’. Kfouri alertou que não se deve perder o sendo crítico por interesses comerciais.


Dines perguntou para Walter de Mattos se há pressão dos dirigentes na política de anúncios do Lance!. O publisher do jornal explicou que há uma constante tensão entre as posições que o diário defende e os interesses da CBF. ‘Tem oito anos que a Nike, que é a patrocinadora oficial da seleção brasileira, não coloca um anúncio’, exemplificou. A proibição é imposta diretamente pela CBF às agências de publicidade.


Outro ponto debatido no programa foi a privatização da administração dos clubes. ‘A privatização da coisa pública por três ou quatro pessoas é o maior absurdo’, criticou Elena. A economista lembrou que em 2001 havia um movimento para profissionalizar o futebol. O objetivo era organizar o esporte e trazer renda através da privatização, mas as propostas foram duramente criticadas. Walter de Mattos acrescentou que tentam ‘demonizar’ a palavra privatizar e que hoje os clubes estão privatizados nas mãos de famílias e maus gestores.


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Paixão ou negócio?


Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 519, exibido em 8/9/2009


Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.


Futebol é paixão ou é negócio? O ideal seria que fosse as duas coisas. Desde as origens do rude esporte bretão no nosso país, o amadorismo dá o tom. Os clubes cresceram, construíram estádios, aperfeiçoaram campeonatos e ganharam milhões de torcedores e, mesmo assim, estamos anos luz atrás dos coirmãos europeus. O resultado se vê dentro das quatro linhas: os maiores craques do planeta jogam no velho continente.


Pela TV paga chegam, até aqui, os principais campeonatos de lá. E até torneios menos concorridos, como o campeonato russo, já ganham espaço.


O resultado desta globalização da bola pode ser claramente visto nas ruas das grandes cidades brasileiras.


Camisas do Milan, do Barcelona ou do Manchester United são quase tão comuns quanto as do Flamengo, São Paulo ou Cruzeiro. Se há tanto dinheiro por lá, por que tantos clubes brasileiros estão com o pires na mão? Qual a explicação para um produto como o Flamengo, com mais de 50 milhões de consumidores, dar prejuízo? Está na hora de repensar o futebol brasileiro. Alguns tabus precisam ser derrubados. Se não for a mídia, quem o fará?