Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Gastam dinheiro público, mas a mídia não reclama

‘Brasil, um país de todos.’ ‘Governo de São Paulo, trabalhando por você.’

Na primeira frase, uma obviedade (no entanto, há os que se acham uma parte especial do todo; ou seja, ‘mais iguais’ do que outros). Na segunda, uma obrigação (nem sempre cumprida). As duas, porém, são divulgadas em forma de propaganda ampla, colorida e reluzente. Que custa uma fábula. Paga por mim. Por você. Por todos nós, detentores do Brasil.

Quem não se detém, por exemplo, é a Sabesp, Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo. Andou fazendo propaganda nas regiões Norte e Nordeste, onde não gerencia um manancial.

‘É uma empresa de economia mista’, alega a direção da Sabesp. Ainda assim, a maioria de suas ações (ainda) pertence ao estado. Ao contribuinte paulista. A quem não perguntou se tem interesse em anunciar a grandiosidade da companhia à nação.

‘É uma empresa de soluções ambientais’, ou seja, não trata só de água e esgoto. Mas, quem compra ‘soluções ambientais’? Prefeituras? Outros governos estaduais? Se é algo institucional assim, para que propaganda na TV? No rádio? Em revistas? Uma oferta formal de serviços seria o bastante.

Uso descarado e cínico do dinheiro público

Dentro do território paulista, o estado produz, desde agosto, os chamados ‘boletins regionais’. São informativos de quatro páginas, com papel de tamanho A4 (sulfite), em cores, com fotos e infográficos. Diz o governo que o distribui a 52 cidades paulistas, cinco delas da Baixada Santista.

A Secretaria de Comunicação do estado justifica que investe R$ 680 mil por edição. São 44 mil exemplares por cidade. Portanto, uma unidade sai por 30 centavos. E afirma cumprir princípios da Constituição Federal no que se refere à divulgação de seus atos.

Tomo a liberdade de escrever uma frase que ouvi, dia desses, do advogado de uma grande empresa do setor imobiliário para justificar por que a defende: ‘A Justiça nem sempre é justa.’ E a adapto (mal, eu sei) com uma expressão: ‘A lei nem sempre é para as pessoas.’

O Artigo 37 da Constituição Federal aponta que um dos princípios do governo é o da ‘publicidade’, ou seja, tornar públicos seus atos. E o inciso XXII desse artigo expressa que ‘a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social (…)’

Nas entrelinhas, o que leio é uma brecha legal para o uso descarado e cínico de dinheiro público em propaganda eleitoral fora de hora. Governos não têm feito publicidade para tornar público. Fazem publicidade para si, para promoverem o governante de plantão ou alguém que tenha sua preferência para a eleição seguinte. Que o digam numa obra do PAC ou às margens do rio São Francisco.

Alguém se beneficia

O resto do inciso XXII indica que a publicidade deve ser feita ‘não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos’.

Não é preciso. As ‘autoridades’, quando fazem discursos repetidos à exaustão nos noticiários, associam-se sem fazer força aos ‘atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos’. O eleitor/contribuinte/cidadão percebe a ligação. E, muitas vezes, vota em quem faz isso, exatamente por juntar os pontos.

E por que não se vê uma linha na mídia para, ao menos, questionar essa relação?

Porque a mídia se vale disso. Quando não gosta de um governante, critica-o por propagandear o que faz. Mas, quando está alinhado a outro, pede a ele sua inclusão na cota de publicidade oficial. Vive desse expediente.

É algo tão absurdo que já houve ex-prefeito, em Santos, mandando anunciar nos meios de comunicação locais que o município estava sem caixa! Faz uns dez anos, isso. Mas tinha verba para a propaganda. Para dizer, de algum modo, que estava fazendo alguma coisa. Precisava aparecer.

Daí por que defendo a proibição da propaganda oficial, no Brasil. Quando o governo faz algo, percebe-se. Pode ser na qualidade da água, no conteúdo ministrado nas escolas, na possibilidade de estacionar o carro na rua sem que ninguém o arrombe, na garantia do direito de sair à rua em paz. Recurso aos meios de comunicação, exclusivamente por força de utilidade pública.

Ilusão, compreendo. Pagando, que mal tem? Só se for para mim e para você também. Afinal, disso se beneficia alguém. E muito bem.

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Repórter do jornal A Tribuna, Santos, SP